Vinyl, meu velho, eu também tenho um conhecido que tem o hábito de escrever. Trata-se de Gésus Nonato, brasiliense, mas nascido em algum recanto à margem do São Francisco (e marginalizado se mantém). É daquele tipo de escritor para quem escrever é a própria vida. Vive d'isso. Solteiro, 51 anos, mas com corpinho de 62, pode ser encontrado vendendo um ou outro poema no entorno brasiliense.
O pouco que ganha, ele investe no rango e em discos. Escreveu um continho sobre a última sessão de Fats Navarro no Birdland (para a maioria dos entendidos essa sessão não existiu). Infelizmente eu não tenho o disco Bird & Fats Live at Birdland (é uma daquelas gravações feitas da platéia por fãs - a qualidade é sofrível), para usar a faixa The street beat como trilha sonora. Deixarei, então, a faixa
The heaven's doors are wide open, do cd Complete Blue Note Sessions (Fats e Tadd).
A última jam
A primavera de 1950 se despedia e o verão se anunciava na brisa, que insistia através da janela semi-aberta trazendo sons de carros e buzinas – a batida das ruas. O trompete descansava no pequeno sofá do quarto de hotel. No banheiro, apoiado na pia, cabeça baixa, Fats fitava a água descer pelo ralo levando fios escuros do sangue que expelira com a tosse tuberculina. Os olhos baços liam naqueles traços o seu próximo destino. Arre! A saudade seria apenas da sua amada música. Ela lhe dera tudo, era tudo que tinha. O que mais poderia fazer, nessa terra, um filho da mistura de tudo que ela detestava – latino, negro e chinês? Ela foi a passagem sem volta da infernal Miami para a iluminada New York. Mais tosses. O fôlego escapa em pequenas gotas de sangue. O ar dói no peito ferido. Ah, minha musa, música linda, o que há de ser? Só mais uma sessão. Só. Ao lado do trompete, a seringa, já preparada (o que restou da última dose de heroína), se oferece às cansadas veias. Minha musa, só mais uma vez. O corpo, já a metade do que foi, se levanta. O palco do Birdland... No palco, Bud e Bird me aguardam. E a musa, minha música, comigo, como se fosse a última vez, só mais uma vez.