O tenorista adentrou o estúdio, em Englewood Cleefs, Nova Jérsei, naquela tarde do dia 3 de outubro de 1959, demonstrando a confiança de um veterano. Era sua estréia como líder de uma banda. Estréia tardia, pois já estava na estrada há muito arranjando para Louis Jordan e Louie Belson, entre outros. Mas é nesse momento que se anuncia o seu brilhante futuro como músico, compositor e arranjador. É aqui que ele começa a mostrar a sua face mais marcante - aquela marcada pela ousadia e que nos legaria um dos discos mais comentados e apreciados da história do jazz: The blues and abstract truth.
Sim, senhores, trata-se de Oliver Nelson. O disco que vos apresento, no caso, é outro: Meet Oliver Nelson. Aqui, o tenorista já mostra sua verve de completo músico. O arranjo (todos são de sua autoria) feito para o tema Passion flower (Strayhorn e Raskin) é de uma exótica delicadeza (pensei em usar o adjetivo sublime, mas o clima outside desenvolvido no tema levou-me ao exótica). O jogo de vozes entre o tenor e o trompete de Kenny Dorham é, agora sim, sublime. Os solos desenvolvido pelos dois comparsas são de primeira grandeza.
Observem como Oliver Nelson gosta, em seus solos, de passear por um território limítrofe, de se "arriscar" (entre aspas porque não é risco: ele sabe onde está pisando) em notas que soam algo estranho, mais como uma segunda ou terceira voz, ao desenvolver seus temas (quem baixar o disco poderá conferir isso também na versão de What's new?).
Creio que sua facilidade para desenvolver esse aspecto se deve ao fato de ter freqüentado os bancos das orquestras. Nelson fala sobre isso no encarte do disco. Foi com as orquestras que ele desenvolveu a necessária disciplina ritmica e, acrescento eu, a sua habilidade em "abrir vozes". Ele também destaca a restrição à liberdade imposta, mas essa impressão não reduzia a sua alegria de estar no meio de uma onda de sopros. Acrescentemos a dose de erudição que faz parte de sua formação (admirador confesso de Mozart e Bartok). Talvez daí, dessa mescla, também derive a sua tendência a fazer arranjos em que os limites dos temas são bastante forçados - ele joga bastante com as harmonias - propiciando espaço para o músico criar frases mais radicais em seus solos. Nelson parece estar sempre buscando a liberdade para inventar.
Destaquemos o cuidado de Ray Bryant com as teclas do seu piano. Esse também é músico para ninguém botar defeito. Dizem por aí que uma das peculiaridades do jazz é a harmonia alterada. Fato que vocês poderão comprovar ao ouvirem como Ray tecla suas teclas (obviamente, seguindo o arranjo de Oliver). O baixo é magistralmente pilotado por Wendell Marshall e a bateria, sempre firme e forte, está nas mãos mágicas de Arthur Taylor.
Obviamente, o disco conta com dois blues (são cinco faixas) maneiríssimos. Deixarei o que abre o disco - Jams and jellies (de sua autoria) - mais Passion Flower para vocês apreciarem. Tá ali no podcast Quintal do Jazz.
Link: Here!
9 comentários:
Mr. Salsa,
Se tem um arranjador com os dois pés muito bem fincados no blues, é o Oliver Nelson.
Straight Ahead e Screamin' The Blues, ambos com Eric Dolphy, são belos exem,plos, além de sua obra-prima, The Blues And The Abstract Blues (também com Dolphy e um tal de Bill Evans).
E muita gente boa passou por suas big bands, como Conte Condoli, Lou Blackburn, Frank Strozier, entre outros. E o Bryant também é uma fera!!!
Valeu, Seu Mr. Salsa.
mr.salsa,
desse jeito eu não durmo mais...só sonzaço pra se ouvir...rs
curti o solo de trompete em jams and jellies...bacanudo
abraçsons
Entre um terremoto e outro, uma musiquinha pode ser bem-vinda, né, mr.Pituco-san?
Érico,
Alguns colegas lá do clube das terças - o Garibalddi entre eles - traduz screamin' por "esculhambando o blues". Eu, cá com meus ouvidos, acho o disco um barato.
Parabens Salsa, grande post ! Sou colecionador de Oliver Nelson, tenho todos os trabalhos dele !!
Uma bela coleção.
Abraços,
Só pra não deixar passar batido: Bom vragarái.
E depois dizem que Nelson era complicado. Depois desse blues, quem não o compreende?
Grande abraço, JL.
Mr.Salsa, a tradução para "esculhambando o blues" foi a maneira que Garibaldi encontrou para referir-se ao disco quando o cita ao PREDADOR, que não consegue entender e muito menos pronunciar "Screamin' the blues". Bicho ignorante este alienígena!
Quanto aos albums de Oliver Nelson, a maioria deles são ótimos, inclusive o citado "esculhambando o blues".
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