quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Brecker

Último post do ano.

Resolvi ficar em casa no tal reveillon, só. Deixei um vinho refrescando enquanto preparo uma pequena refeição a base de bacalhau. Deixei o dito cujo no forno e vim cuidar do bloguito. Estava com uma coisa engatilhada para esse momento mas, hoje à tarde, enquanto pintava mais uma tela, eu ouvi uma seleção de discos (que normalmente não ouço) e resolvi mudar a programação.

Senhoras e senhores, apresento-lhes Jazz Time - 4, uma seleção de gravações lideradas por Michael Brecker para a revista de mesmo nome, em 1993. Gostei do que ouvi. Clima meio rock'n'roll, bom para momentos festivos. Partilho, pois, com os amigos navegantes.

O som é modernoso, mas com uma mandada excelente. Também, não é para menos considerando o time que o acompanha: Eddie Gomez e George Mraz (baixo), Mike Nock e Don Grolnick (piano), Mike Manieri (vibrafone em 3 faixas), Peter Erskine, Al Foster e Steve Gadd (bateria).

O balanço levado pela rapaziada é de primeira. Confira ali no podcast do Jazz Contemporâneo.

Link: Avax

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Benny Green - These are soulful days

Apresento-lhes um jovem pianista (pelo menos mais jovem do que eu): o novaiorquino Benny Green. O seu curriculum traz momentos respeitáveis - tocou com Art Blakey, Freddie Hubbard, Betty Carter, Bobby Watson, Diana Krall, Ray Brown e os cambau a quatro. Como líder, já gravou nove cds.

Eu estou ouvindo These Are Soulful Days (de 1999). Segundo consta, esse disco é parte de uma série em homenagem aos 60 anos da Blue Note. Benny foi encarregado de interpretar uma seleção de temas de sua preferência (todos gravados nesse selo).

Imbuído da tarefa, reuniu-se com os excelentes Christian McBride (baixo) e Russell Malone (guitarra), na clássica e agradável formação drumless e mandaram ver em oito temas, totalizando quarenta e cinco minutos (pouco mais que os antigos lps - o que muito me agrada) de muito boa música.

Deixarei duas faixas no podcast de Jazz Contemporâneo.
Link: Avax

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Monk revisitado

Deixar-lhes-ei um presente de natal. Sinto-me um pouco burocrático, sem grandes anseios (o natal faz isso comigo), e, assim estando, o presente não será dos melhores. Uma lembrancinha, pois. Duas, aliás.


As duas citam Monk. Uma delas é uma homenagem ao nosso maluco beleza gravada por um saxofonista obscuro, pelo menos para mim, chamado Paul Jeffrey. Encontrei o disco We see (que pode ser baixado por U$0,99 ou grátis). Não encontrei nem uma linha sobre o camarada em rápida pesquisa na rede. Atraiu-me o som preguiçoso do seu sax.


A outra lembrancinha é um disco de Horace Parlan, pianista com pegada blues muito interessante. O disco é Pannonica, que não é plenamente dedicado a Monk. Só tem a faixa-título e, creio, um ou outro standard que Monk chegou a interpretar. É um disco honesto e bem administrado pelo pianista e por seus sidemen Reggie Johnson (bass) e Alvin Queen (drums).


Ouçam alguns teminhas ali na radiola.


Os Links: Jeffrey e Parlan


PS - Ontem, deixei de beber um bom vinho branco com uma boa e bela companhia por causa da tal da música. O dia amanheceu com aquela saudade do que não aconteceu. Putz!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Verão + preguiça

Fui tomado pela preguiça que o verão embala. Para dizer que postei algo, substituí a imagem da abertura do blog por outra tela por mim pintada (sob a orientação dos mestres Didico e Lester).
Em breve, se o calor deixar, postarei mais um disco.
Até lá.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Um violão especial

Esse post é dedicado a Ricieri, violonista capixaba radicado em São Luís, que espero em breve reencontrar.

Caiu na minha rede, em recente ciberpescaria, um disco - Night and day - de um para mim desconhecido guitarrista/violonista: Roland Dyens. O rapaz faz uma mescla entre erudito (mais no modo de operar o violão) e jazz (o fraseado e o ritmo sincopado) que soou-me agradável ao ouvido. Às vezes tem-se a impressão que são dois violões tocando. O cético poderá dizer que é overdubing, o crente dirá que o camarada desenvolve chords melodies como poucos. O fato é que Dyens domina seu instrumento com uma técnica impressionante, daquela que faz-nos parar para ouvir. Mesmo o jazzófilo mais purista admitirá que ele é um músico acima da média.

Confiram ali no podcast do jazz contemporâneo as versões de All the things you are (parece que Bach arranjou o tema) e Bluesette e depois me digam o que acharam.

Link: Avax

PS: Quem tiver mais informações sobre o moço deixe-as nos comentários.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A voz de Portugal

Ouvia ao longe, enquanto navegava, o canto de uma sereia. A voz, afinadíssima, entoava um mantra envolvente. De onde vem? Desviei-me do meu trajeto e, enfim, aportei em terras lusitanas. A voz: Maria João. Rainha e rei, mãe e santo, reunidos numa só pessoa.

A menina tem uma já longa estrada, iniciada, creio, com o pianista Mário Laginha (já postei, dele, o disco Espaço), com quem conquistou rápido reconhecimento da crítica européia. Conquistou também a pianista japonesa Aki Takase, que a convidou para uma série de trabalhos. Entre um concerto e outro, gravaram Alice, em 1990. A gravação foi ao vivo, no festival de jazz de Nuremberg, e contou com o apoio mais que luxuoso de Niels-Henning Orsted Pedersen.

O resultado conquistou esse insensato coração. O trio funciona que é uma maravilha. Maria João brinca com a voz de modo magistral, jogando com os timbres e revelando uma extensão vocal que é para poucos. Takase, aqui, está mais comportada do que em seus trabalhos free, mas sem deixar de mostrar sua eficiência como pianista. NHOP dispensa comentários - sua competência é ímpar.

Confiram ali no Podcast do Jazz Contemporâneo.

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sábado, 5 de dezembro de 2009

Dinah sings Bessie

Às vezes acontece: eu acordo com um fino véu de melancolia envolvendo os sentidos. Hoje, por exemplo, nessa agradável manhã chuvosa que afastou o calor sufocante que por aqui grassava, assim sucedeu. Fico matutando um tempo até me recordar: as faturas dos cartões de crédito estão chegando. Pronto. Melhor seria não lembrar.

Lembrei-me também de uma conversa com um amigo. Falava de amores, de mulheres, de uma mulher que Destino deixou no seu caminho. De um Destino sacana e seu comparsa Eros, que parecem gostar de ver como a embriaguez amorosa faz-nos trocar as pernas, confundir norte com sul e achar que a lua é algo além de um pedaço de rocha estéril. Disse-me ele que esse tipo de oceânico sentimento o assustava e, por isso, deixou a sua menina ir embora nos braços de um Mané que nem um pedaço dele poderia ser. Gaguejou um pouco de trôpego Lupicínio: eee-sssses moços, po...bres hic! mo-ços...

Pedi ao Geraldo, dono do boteco, para rodar o cd que Dinah Washington gravou em homenagem a grande Bessie Smith (que sabia como poucas cantar um amor bandido e naufragado). Digo sem titubear: homenagem mais que bem feita. Dinah deixa-se levar pelo espírito da cantora dos velhos cabarés e nos lega um disco excelente. As gravações em estúdio contam com Eddie Chamblee and His Orchestra, que soube manter aquele clima da década de 30 do século passado. De quebra, ainda rola umas faixas gravadas em Newport (1958) com os All-Stars Sahib Shihab, Blue Mitchell, Wynton Kelly, Paul West e Max Roach.

Indiquei Send me to the 'letric chair para meu desalentado amigo, que se lamentava por ter, de certo modo, assassinado o seu amor. Uiva pra lua, moleque!

Ouçam ali no podcast Quintal do Jazz.

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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Goodrick & Diorio - Avis rara

Mudanças atraem-me. Gosto de me arriscar com o novo.

Lembro-me de, há vários anos, uma cigana amadora ter dito, ao ler minhas mãos, que a minha vida passaria por grandes tranformações quando chegasse aos 50. Cá estou, pois, à espera. Enfim, a cigana me avisou. Novos ares podem fazer bem à alma. Disse-me Érico, que os ares ludovicenses são interessantes. Espero poder comprovar esse também bom presságio.

Mudanças, no entanto, não dependem apenas da sorte. O trabalho e os dias regados pelo suor e dedicação contam. Vejam, por exemplo, os dois dedicados guitarristas Mick Goodrick e Joe Diorio. Ambos são exemplo de investimento em seu campo. A longa estrada percorrida permitiu que eles se consolidassem como mestres dos seus instrumentos (professores mesmo).

Mick enfileirou trabalhos com Gary Burton, Pat Metheny, Charlie Haden, John Scofield, Jack DeJohnette, Paul Motian, Dewey Redman, John Abercrombie, Dave Liebman e mais um monte de gente, além de publicar uma série de livros didáticos sobre a arte de tocar guitarra.

Joe Diorio, nascido em 1936, também tem uma série de trabalhos como sideman de diversos nomes do jazz, marcadamente aqueles mais ligados ao mainstream jazzístico: Sonny Stitt, Eddie Harris, Ira Sullivan, Stan Getz, Horace Silver e Freddie Hubbard. O seu trabalho como professor também é bastante reconhecido - é um dos fundadores do respeitado Guitar Institute of Technology, na Califórnia. Aliás, dizem que ele costumava dar aulas aqui no Brasil.

Pois bem, em Rare birds, gravado em 1993, Mick e Joe trocam impressões sobre 12 temas de diversos matizes (seis são de autoria da dupla): de baladas como My funny valentine, passando por uma curiosa construção em contraponto a partir de Manhã de carnaval e até explorações na área modal, em Blue and green. É um daqueles discos que podem chamar de música para músicos. Isso fica patente principalmente nas seis faixas construídas no estúdio de gravação: quando apertavam o botão de gravação, os meninos mandavam os dedos, criando na hora os seus diálogos. Experimentação, reflexo, conhecimento de causa, ousadia, um pouco de delírio, tudo está em jogo nesse disco.

Confiram ali no podcast do jazz Contemporâneo.

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sábado, 28 de novembro de 2009

Quatro bateristas agradam muita gente

A rapaziada costuma levar as coisas muito a sério, como se existisse essa seriedade toda. A minha implicância com baterista, por exemplo. Ela existe, do mesmo modo que existe com quaisquer outros músicos, digamos, excessivamente arrojados.

A gente está ali ouvindo um sonzinho, uma baladinha, quando, de repente, POU!, uma pancada intempestiva quase te derruba da cama. Às vezes pode ser apenas um problema de mixagem, outras vezes é efeito da mão pesada do camarada. Pode ser também um guinchado do saxofone fazendo a obturação do molar trepidar. Ou a verborragia do pianista que não suporta o silêncio entre as notas e por aí vai. Tudo isso é muito chato. A não ser quando é a gente quem faz, obviamente.

Agora, imagine-se numa casa com quatro baterista descendo a mão em seus tambores. O que pode parecer infernal quando pensamos a respeito, pode se revelar muito mais interessante quando ouvimos. Pois bem, estou às voltas com Louis Bellson, Shelly Manne, Willie Bobo e Paul Humphrey. O disco The drum session foi gravado em 1974, tendo Oliver Nelson como produtor. Os meninos passeiam por uma bem articulada série de variações ritmicas que agradará os fãs das baquetas e tambores. Destaque-se o pessoal que encarregado da harmonia e melodia: Bob Bryant (trumpete e flueghel), Jerome Richardson (Tenor e flauta), Mike Wofford (teclados) e Chuck Domanico (baixo).

Ouçam ali no podcast Quintal do Jazz.

Link: Avax

PS: A ordem dos solos: Bellson, Bobo, Humphrey e Manne.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Herbie Nichols

Em 2006, quando eu ainda era um dos bem remunerados redatores do Jazzseen, publiquei um post sobre o pianista Herbie Nichols. Na época, fiquei atraído pela sonoridade que ele extraía do seu piano. Soava-me monkiano. E não era para menos, já que Monk era um amigo próximo.

Uma das coisas que observei e mantenho foi o seu modo de jogar com a harmonia: "percebe-se com facilidade que o rapaz tem um arcabouço de informação musical que escapa à média dos músicos. Seu patamar musical permite-lhe brincar com os limites do bom senso harmônico e estabelecer fórmulas nas quais a tensão torna-se um campo surpreendentemente produtivo".

Na contracapa do lp que agora ouço, The prophetic, de 1955, o crítico Leonard Feather destaca o modo como Herbie vai brincando com terças menores (em The third world), explorando as sextas e as sétimas nos acordes (C6 Eb7 / Bb6 Db7 / Ab B6 e por aí vai). Antes que me perguntem: não saco muito dessa matemática, mas o resultado da operação é uma sonoridade pra lá de interessante. Pelo menos para mim, pois meus comparsas do clube das terças acharam-no algo monótono.

Um dado que não posso desprezar: a cozinha que completa o trio. O esporrento Art Blakey mostrou-me sua face comedida (sem evitar a criatividade - observem como ele brinca fazendo variações, usando com precisão as peças do seu instrumento). Aqui não tem porrada - só notas bem postas sustentando o passeio de Herbie. E Al McKibbon, o baixista? Meus amigos, seu modo de tocar é irrepreensível. As harmonias dos temas de Nichols são um prato cheio para o velho Al mostrar sua maestria, destilando um acompanhamento preciso - daqueles que deixam qualquer músico feliz - Al é um porto seguro.

Deixarei duas ali no podcast Quintal do Jazz.

O link: Avax

PS: Esse disco está incluído na caixa The complete Blue Note recordings.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O amor é lindo!

Domingão (escrevo na segundona, à 00h:23'). Fui com meus filhos ao cinema. Era um desses romances juvenis modernos: Lua nova. Achei uma b****! Avaliação: quatro pinicos. Tentativa chula de representar as transformações amorosas juvenis. Minha filha (13 anos) não gostou. Não perguntei a razão. Deveria. Meu filho (10 anos) gostou. Sei que ele anda apaixonado por sei lá quem - como ainda não tem cabelo no sovaco, achei razoável.


Ah, o amor. A cada dia uma versão nova. Podem anotar. Suas experiências. Se não mudarem, procurem um analista. A não ser que as considerem boas, obviamente. Para mim, as experiências ruins foram justamente fruto da inexperiência. Hoje, os encontros são escolhidos com um misto de razão e intuição. A razão diz: "isso não vai dar certo". A intuição rebate: "vai fundo, mané! Quais estórias você poderá contar para seus descendentes se não se arriscar?"


Hoje, eu sinto boas saudades. Aprendi a ver o belo, retrospectivamente (com alguns senões - nem tão Polyana assim), naquilo que a maioria pode considerar desastre. Permito-me arriscar. Até mesmo reviver - recalcular o desastre passado.


Enquanto enchia a cara no Cochicho (boteco vitoriano) com um amigo, comentei sobre o tema. Deixem-se levar, meus caros. Lembrem-se apenas que toda estória tem fim. As tais pedras no caminho. Não as reneguem. Podem render estórias interessantes.


Experiências novas... As reticências são justificáveis. O novo é estranho. Ouço algo que sonoramente não é tão novo assim (enquanto poposta musical): Sky and country, do grupo Fly. Fazem parte do grupo Mark Turner (tenor e soprano), Larry Grenadier (baixo) e Jeff Ballard (bateria). Um trio, pois. A formação me agrada, desde quando ouvi os trios de Rollins. O som é bem ao gosto da ECM, cheio de experimentações e devaneios sonoros, predominando um certo lirismo que rompe com as velhas canções. Sim - é meio cerebral. Mas parece que esse é o novo campo gozoso. Estória que remonta ao bebop. Lembro-me de ter lido em uma faixa em um filme de um show de bebop: "por favor, não dancem" - ou algo similar. Música para ser ouvida, para dançar com a cabeça.


Confesso que achei divertido ouvir como a rapaziada brinca com seus intrumentos. Baixo, bateria e sax se revezam num jogo interessante de condução dos temas. Enfim, são novas maneiras de se contar estórias. Se nos permitirmos a experiência de ouvi-las, pode ser que surja mais um bem vindo caso de amor.

Ouçam ali no podcast Jazz Contemporâneo.

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O mago das vassourinhas

Apresento-lhes um baterista mucho loco: Chico Hamilton.

Ele fez parte de uma geração e tanto. Enquanto estudava na Thomas Jefferson High School (segunda metade dos anos trinta), fez parte de um grupo com figurinhas como Dexter Gordon, Wardell Gray, Charles Mingus e Illinois Jacquet. Querem mais? Durante a guerra, no exército, pegou umas aulas com o soldado Jo Jones. Depois disso, enfileirou performances ao lado dos grandes nomes do jazz.

Sua fase mais experimental começou com o grupo pianoless que fundou com o baritonista Gerry Mulligan, em 1952. Foi nesse momento que, de acordo com o encarte, Chico desenvolveu sua habilidade com a vassourinha e sua capacidade de brincar com o tempo e o ritmo. Daí em diante, nosso herói seguiu uma trilha que vai do som mais camerístico até o fusion.

Estou às voltas com o cd The Original Chico Hamilton Quintet - complete studio recordings, com a participação de Buddy Collette (sax alto, flauta, tenor e clarineta) e Jim Hall (guitarra). O quinteto se completa com Fred Katz no cello e Carson Smith no baixo. As 20 faixas que compõe o cd foram gravadas em sessões no período 55-56. Apesar do título, o disco traz cinco faixas gravas ao vivo na Califórnia. O som tem alguma dose da terceira via, um pouco do bom e velho cool e a exempar performance de Chico. Vocês poderão atestar a competência de Hamilton com as baquetas ali no podcast Quintal do Jazz.

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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Onde ouvir jazz em Vitória



A segunda-feira é dominada pela Plataforma 16, quiosque situado na Curva da Jurema, praia próxima à Ilha do Boi. O jazz fez daquele point a sua moradia há 10 anos. Por lá circulam os melhores músicos da ilha e arredores. O clima é totalmente descontraído e o cenário é deslumbrante. Não espere luxo do boteco, pois nada que o lembre existe por lá - a não ser a música, obviamente. O som começa às 21:00h.



Frequentado por intelectuais e artistas da cidade, o tradicional bar da Rua da Lama, Cochicho da Penha, em Jardim da Penha, dá lugar ao jazz às terças. O som é sempre de primeira. O boteco tem um menu extenso, com quarenta opções de pratos e petiscos (coisas leves como pé-de-porco e mocotó fazem parte do cardápio). A cerveja bem gelada é característica da casa. O clima é mais que relaxado.



Na quarta-feira, o jazz aporta no Jazz Café, barzinho mais sofisticado situado no triângulo das bermudas, Praia do Canto. A nova proprietária, Kátia Brinco, resolveu reabrir o espaço jazzístico (que havia sido abandonado pelo dono anterior). A rapaziada tem comparecido e as jams têm acontecido.





Quinta-feira é dia do Bellia, restaurante que, além dos bons pratos e bons vinhos, tem servido uma boa dose de jazz, aos cuidados do pianista Pedro Alcântara e do baixista Afonso Abreu. O restaurante fica na rua Joaquim Lírio, Praia do Canto.



Nos finais de semana quem comanda o jazz é o Spirito Jazz, casa de shows com ótima estrutura, boa decoração, bom som e tudo mais. Helcias, o proprietário, tem feito uma programação interessante, unindo músicos locais e grandes nomes do cenário nacional. O endreço: Rua Madeira de Freitas, 244, 1º piso do Via Cruzeiro Mall, Praia do Canto - Vitória/ES *Referência: em frente ao Yazigi da Praia do Canto

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

What is this thing called love?

Basta dar uma pequena olhada nas letras do cancioneiro mundial para constatar que a temática predominante é o tal do amor. Fraternal, paternal, maternal, erótico (em suas mais diversas perversões, zoológico inclusive - vide a famosa Mula Preta), tá tudo lá, nos mais variados ritmos e estilos, numa infindável enciclopédia amorosa musical.


Um capítulo muito interessante dessa enciclopédia foi escrito por um dos compositores mais interpretados pelos jazzistas: Cole Porter. O camarada tem uma dicção peculiar, que o distingue dos outros grandes nomes. A união de boas doses de cinismo e ironia com um indefectível eixo lírico bastante sofisticado permitem uma face sempre vivaz à emoção que perpassa suas letras. O amor, para ele, é sempre visceral e avassalador, dominando rapidamente aqueles que estão ao seu alcance, ou seja, todos. Mas Porter não é aquele tipo lamurioso. Pelo contrário, da união de seus versos com a sua música o resultado tem sempre algo solar, luminoso, pra cima, alegre (que aqui não significa necessariamente música em up tempo).


Amar de todas as maneiras possíveis parece ser a premissa de Porter. "Qualquer maneira de amor vale amar", poderia ter-nos dito. Mas ele diz isso de outro modo - como nos diz/convida na divertida Let's do it, let's fall in love (da qual Chico Buarque fez uma boa versão), vamos amar pois ninguém escapa disso. Todos amam: chineses, pingüins, canários, até os argentinos. Creio que essa pode ser uma resposta para a pergunta "What is this thing called love? This funny thing called love?"


Entreguem suas armas, companheiros. A tentativa de fuga não resultará em nada, como destaca Porter em I've got you under my skin. O desejo é irresistível, impossível de ser combatido. Mesmo sabendo que o lance é uma roubada, mesmo sabendo que a coisa não vai dar certo, mesmo com a vozinha repetindo no ouvido "Don't you know you fool, you never can win/Use your mentality, wake up to reality", acabamos cedendo e nos entregando aos braços da musa, pois ela é a realidade que importa.

Ouçam ali no podcast Quintal do Jazz


domingo, 8 de novembro de 2009

Blues cross country

Estou aqui tentando lembrar de algum branquelo ou branquela que convença cantando blues. Ninguém me vem à mente. É possível, isso sim, encontrar algum disco honesto, bem arranjado, com bons músicos acompanhando o dito cujo. Mas fica por aí.

Dia desses, em meus diários passeios pela web, deparei-me com um disco curioso. Chamou-me a atenção o título: Blues cross country, gravado em 1961. Como sugerido, é um passeio por diversas cidades e regiões dos EUA representados nas letras de músicas desse envolvente estilo. De Los Angeles, passando por Kansas City, até chegar em New York, do oeste ao leste, do norte ao sul, todos devidamente amarrados em 14 bons blues.

Proposta mais que interessante e que mais interessante fica quando a cozinha fica por conta da orquestra de Quincy Jones (que cuidou dos arranjos, exceto dois que ficaram aos cuidados de Benny Carter e Mandell). As reticências surgem quanto à intérprete. Trata-se da Pat Boone de saias, miss Peggy Lee. A menina é afinadinha e coisa e tal, mas está mais para noviça rebelde do que para cantora de blues - falta mojo. Isso não chega a matar o disco, mas abala. O resultado final não é ruim, achei até agradável. É daquele tipo de disco que a gente pode deixar rolando enquanto folheamos o jornal ou lemos o romance do dia.

Ouçam ali no podcast Quintal do Jazz

Link: Avax

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Vocês conhecem Edmund Gregory?

O que agora ouço já mereceu outro post aqui no nosso quintal. Trata-se do baritonista Sahib Shihab. Aliás, ele também encarava o sax alto, e, diga-se passagem, muito bem (vocês ouvirão).

Pois bem, encontrei uma coletânea intitulada Jazz Sahib: Complete sextets sessions 1956-1957, lançado pela Fresh Sound. O nosso herói, nascido Edmund Gregory, antes de, como muitos outros, ir tentar a vida na Europa, participou de alguma sessões (Savoy) que, ao meu ouvir, ficaram muito interessantes.

Além do Jazz Sahib (aqui postado), as faixas do cd duplo derivam das coletâneas Night people, After hours jazz, The jazz we heard last summer e Jazz is busting out all over. Nesses discos, encontramos Shihab sempre muito bem acompanhado (confiram na capa) e destilando o seu melhor veneno. Selecionei duas faixas para o deleite do visitante. A primeira, Hum-bug, gravada em 56, conta com a participação de Eddie Bert (trombone), Tommy Flanagan (piano), Kenny Burrell (guitarra), Carl Pruit (baixo) e Elvin Jones (bateria) - quase esqueci: Shihab, aqui, pilota o sax alto. A segunda faixa, Blu-A-Round, vem com Sahib (barítono), Phil Woods (alto), Benny Golson (tenor), Bill Evans (piano), Oscar Pettiford (baixo) e Art Taylor (bateria).
O link: Avax

domingo, 1 de novembro de 2009

Ventura & Phillips

Alguns encontros são por acaso, outros contam com uma forcinha de amigos, admiradores que dizem: "fulano foi feito pra cicrano", "Como ainda não se conhecem?!? São almas gêmeas!", e por aí vão, inventando estórias, criando romances, semeando esperança de que alguma coisa possa dar certo nesse e noutro hemisfério. O problema é que costumamos confundir "dar certo" com "perenidade". As coisas dão certo durante um tempo. Sim. E aí resta aquele lance do "eterno enquanto dura". Bem, as coisas permanecem na memória - pelo menos até que o velho Al nos pegue morro a baixo.

Ainda estou com essa idéia na cabeça, a do encontro/desencontro, desde que a epifânica e evanescente musa azul por aqui aportou e desaportou. Mas, além da goiabada com queijo, algumas outras duplas caem muito bem. A Mosaic, para não perder o bom costume, forçou um encontro numa de suas aprazíveis caixas: Joe Ventura e Flip Phillips. Um e outro excelentes saxofonistas. Dois gentlemen no trato com seus instrumentos, como bem destaca o encarte da caixa.

Ambos descendentes de italianos que, para nosso gáudio, abdicaram de seguir o caminho da "cosa nostra" e investiram na música. Flip (tenor), até onde eu sei, é uma cara centrado; Ventura (que encara o tenor, barítono e baixo), no entanto, levou uma vida mais desregrada, descambando pro universo da cachaça, o que atrapalhou bastante a sua produção. Mas o que interessa é que ambos tocam pra caramba.

A caixa da Mosaic - The complete Verve/Clef studios sessions - contém seis cds com excelentes gravações (dois para a obra de Ventura e e quatro para a de Flip). Pode desembolsar a grana e levar para casa. Satisfação garantida.

Ouçam uma alentada seleção ali no podcast Quintal do Jazz.

Link: Avax

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O som de Harrell

Existem aqueles que conseguem injetar algumas boas doses de jovem espírito no jazz. Eles conseguem dar uma refrescada no ambiente, abrir novas janelas, mostrar novas paisagens para nós, reles mortais admiradores desse estilo. Um deles é o trompetista Tom Harrell.

Em sua contemporânea expressão, Harrell faz jazz sem mutilar, sem deslocar, sem abandonar as raízes. Ele não nos deixa com aquela sensação de que o jazz morreu, que é coisa findada. Sua música, com toda sua modernidade não corrompe a alma do jazz (o disco que agora ouço é Prana dance, de 2008) . Está tudo ali nas tramas de suas composições e arranjos - do swing ao cool, passando pelo hard e até pelo fusion. Mas a tradição fica patente mesmo é em seus solos, sempre bem construídos, com progressões de surpreendente e aparente simplicidade, líricos, delicados como uma boa lembrança. Saudade presentificada dos grandes nomes do trompete/jazz. Harrell tem uma bela alma musical.

Em Prana dance, o trompetista contou com o apoio dos competentes Wayne Escoffery - saxes soprano e tenor, Danny Grissett - piano e fender rhodes, Ugonna Okegwo - baixo, e Johnathan Blake - bateria.
Ouçam duas faixas ali no podcast do jazz contemporâneo.

sábado, 24 de outubro de 2009

Goiabada com queijo

Querem ouvir uma coisa boa de ouvir? Ouçam um bom e velho dixie. Ali, meus amigos, sobre uma harmonia simples, brota uma variedade de vozes (a tal polifonia) que lembra um multicolorido jardim. Coisa simples e gostosa como um pedaço de queijo com uma cremosa goiabada cascão. Aliás, ainda não sei porque chamam esse encontro de Romeu & Julieta. Goibada com queijo, pelo menos para mim, não acaba em desgraça. A desgraça é apenas o fim da goiabada e do queijo.


Agora mesmo, enquanto ouço o grande trombonista Jack Teagarden, eu estou degustando um pequeno pedaço dessa mineiríssima invenção. Como a madeleine de Proust, a sobremesa leva-me a um desses encantadores momentos que o tempo nunca apagará: A mão delicada se aproximando de meus lábios, enquanto a musa diz: prova. Os olhos brilhantes, semicerrados, fitavam-me tentadores. Sorria-me um sorriso de feiticeira. Encanto feito, encantado fiquei. Coisa simples assim - como um bom encontro. Daqueles não premeditados. Um acontecimento.


Mas a coisa não pára por aí. Jack, ainda por cima, traz o chá e o jardim em seu nome. Pronto. Lá vou carregado por reminiscências: estamos eu e a musa, no fim da tarde, bebendo chá inglês com biscoitos suíços. Coisa leve. É assim que me soa a música de Jack Teagarden.


Ouço as gravações feitas nos anos cinqüenta para o selo Capitol. São seis discos que foram relançados em mais uma das indefectíveis caixas da Mosaic. Leiam aí o que o pessoal do Allmusic diz a respeito desse petisco:


Teagarden is heard on two hot Dixieland dates (Coast Concert and Jazz Ultimate) with cornetist Bobby Hackett and either Matty Matlock or Peanuts Hucko on clarinet. An outing by his own working group (Big T's Dixieland Band) is a surprising disappointment, for the sextet is hamstrung by dully arranged ensembles instead of getting a chance to really stretch out. However, Teagarden's three albums with larger groups are all better than expected. This Is Teagarden revisits some older material, Swing Low, Sweet Spiritual (even with the dumb background singers) is generally successful, and the instrumental mood record Shades of Night has some beautiful trombone playing on the ballads. Although Teagarden was no longer a pacesetter in the 1950s, he is heard throughout in prime form. Dixieland collectors can consider this box to be essential.
Ouçam algumas faixas ali no pocast Quintal do Jazz.: I found a new baby, I guess I'll have to change my plans, Someday you'll be sorry
Link: Avax

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Rava - Dias cinzentos em Nova Iorque

Quando ouço o jazz contemporâneo - pelo menos em boa parcela dele - sinto um certo desconforto. Poderia associar esse sentimento à melancolia. De onde vem isso? Deixando de lado o apelo freudiano, eu responderia: de uma parte da Europa. Aquela Europa circunspecta, introspectiva, que se anunciava no romantismo suicida de um Werther e que se espraiou no decadentismo (literatura) do final do século xix e por aí prosseguiu, acentuando o olhar para abismos, para a desolação. Um apelo ao repouso - eufemismo para a morte.

Mesmo que não perguntem, eu direi. Estou ouvindo o, creio, mais recente disco (2009) do trompetista italiano Enrico Rava, editado pelo selo... adivinhem. Não adivinharam? ECM, obviamente. O nome: New York days. Acompanham-no Stefano Bollani (piano), Mark Turner (tenor), Larry Grenadier (double-bass) e Paul Motian (drums).

Definitivamente, não é minha praia. Não é um disco que permanecerá na vitrola até furar. Mais, dificilmente voltará a ser tocado integralmente. Mas, admito, sim, o som tem uma força, um apelo qualquer, que, em alguns momentos, me hipnotizou. Pintou telas em minha cabeça. Luz e sombra, aqui, são usadas aos moldes do lusco-fusco, do fim do dia - quando os limites se confundem. Um dia nublado. O lirismo do disco lançou-me em uma percepção do abandono e solidão (Lulu, Interiors - gostei dessa faixa - e Improvisation I e II, Count Dracula, Lady Orlando e Blancasnow), luta e desespero (em Outsider) - desespero acentuado pelos acordes pontuais (e outside) do piano de Stefano Bollani.

Há no disco uma certa beleza estrutural revelada na interpretação dos temas. É um disco bem cuidado, no qual os músicos parecem se deixar levar pela profundidade e pela imensidão. Balanço? Nem pensar. Aliás, para não dizer que nada há de balanço, tem dois pequenos oásis que conseguem tirar-nos do limbo da melancolia: Thank you, come again e a abolerada Luna urbana. Deixarei esses dois teminhas ali no podcast do Jazz Contemporâneo.

Sem link.

sábado, 17 de outubro de 2009

Alice in wonderland

Lembro-me que, há pouco tempo, estava eu numa "perrenga" cavalar. De repente, como aquele solzinho matinal do início da primavera que entra pela frestra da janela, surgiu uma musa - walkin', justo balanço, justas pernas, corpo delineado pelo vestido preto, mostrando aos meus entediados olhos que a beleza ainda existe e resiste. Não pude concluir outra coisa a não ser "os deuses me amam". Mas, dizem por aí, os deuses são enigmáticos. Aos apelos de cuidado, eu bravamente me disse: "e eu lá sou homem de me amarrar em mastros para resistir às sereias... Morro afogado".


Sim, parece que existe uma conspiração universal para nos fazer crer que a vida é uma m****. Pode até ser verdade, mas podemos afundar abraçados em algo que valha a pena. Tenho pensado, como muitos velhos, que a melhor maneira de naufragar é nos braços de uma musa, e, se possível, com uma boa trilha sonora. E isso, os bons discos (já não é surpresa para mim) a cada dia que passa, tem surgido de montão. As musas, por sua vez, são epifanias raras - por isso aconselho: se alguma acenar para você, não faça como Ulisses, jogue-se no mar e afogue-se!



Bom, ainda existem muitos músicos envolvidos de corpo e alma na tarefa de não deixar a beleza morrer. Agora mesmo, nesse exato momento, ouço um pianista muito bom, admirador confesso de Bill Evans, que gravou seu primeiro disco em 1995. Trata-se de David Hazeltine. O disco que ouço foi gravado em 2003: Alice in wonderland. Os acompanhantes de Hazeltine são George Mraz (bass) e Billy Drummond (drums). O disco é uma homenagem direta ao seu ídolo. Oito dos nove temas foram gravados por Bill Evans. A nona canção é For Bill - dizer o quê? - composta por David.


Achei o disco muito agradável. Elegante como a musa em seu vestido negro. Merece ser ouvido e adquirido. Confiram ali no podcast do jazz contemporâneo.

Link: Avax

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Aviso aos navegantes

Na sexta-feira, eu falei do apocalipse, do fim próximo do mundo. Oráculo quase, que, como todo oráculo, pode ser lido de diversas formas. De fato, pode-se ler: as coisas acabam. Às vezes, de outro modo, a eternidade pode se nos apresentar de modo paradoxal: efêmera, fogo fátuo, epifânica mas marcante, inesquecível. Sim - um terremoto, uma tsunami, um naufrágio e os braços de uma sereia no fundo do mar. Palíndromos, labirintos, musas. Em outro momento, eu diria:
Aviso aos navegantes

I
Amar é moto
II
Do naufrágio
só sobras
bóiam, mortas.
Frágil obra
à deriva
inventa histórias e
assombra olhares navegantes de plácidas enseadas.
III
Da frágil nau
só sobram restos
que assombram a insólita placidez
espraiada no olhar detido na orla.
Mais um naufrágio
na ânsia argonauta:
o risco do oceânico horizonte
é calmaria/tempestade
escrita nos hieroglíficos fragmentos
despejados nas praias.
Ó, alma opressa pela fragrância de abismos!
IV
Os poetas,
desde que o mundo é mundo,
navegam em seus barquinhos de papiro
sobre abismos índigos;
recolhem almas náufragas
e aquecem-nas com mortalhas;
para os corpos esquecidos
constroem piras...
e, enigmático anseio,
erigem com seus versos faróis
que guiam aventureiros
às rochas e arrecifes.
V
O calado suporta
a solitária travessia e
o silêncio condiz com as oceânicas profundezas
enquanto a corrente – terna – conduz.
VI
Singrar mares e
colher tempestades
nos cantos das sereias
– sem âncoras, bússolas, astrolábios...
no incontinente
perder-se é preciso.
VII
A rota a seguir nunca foi segura
apesar dos luminosos faróis,
dos astrolábios ofertados
e do macio catre em que sonhei
ter conquistado todos os mares,
todas ilhotas perdidas,
todos os recantos ermos,
sacrossantos e pagãos...
foi lá nas macias e cálidas profundezas
onde sussurrei meus delírios de posse
que me vi prisioneiro.
VIII
Derivo.
Alma náufraga,
não agonizo mais,
não me apago no luto
das terras idas,
nem rumino outros dias
ocultos pela Esperança.
Sim, derivo
entre atóis de afiados arrecifes e,
seguro nas crinas dos maremotos,
arremesso-me contra rochedos
para vê-los sangrar o meu sangue e,
rubricado meu nome em seus poros,
retorno à implacável quietude do mar.
IX
Resto de uma equação
mal sucedida
só,
sobro.
Equívoco de uma operação
híbrida,
naufrago.
E, daqui do fundo do abismo,
creiam-me,
o mundo é plano.
X
Esses são meus espinhos.
E eu, cacto,
quis chorar todas as lágrimas
e virar deserto...
(Decerto o mar em mim não deixou).

Ouçam, ali no pdcast Quintal do Jazz, três temas interpretados por Art Farmer, retirados de um excelente disco gravado em homenagem a Duke Ellington (1975). Acompanham-no Cedar Walton (p), Sam Jones (b) e Billy Higgins (d).


Link: Avax

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Art Tatum - o poeta e os labirintos

Há aqueles que dedicam suas vidas ao belo, que insistem em destacar a beleza que existe até nas topadas nas pedras do caminho, nos uivos doloridos dirigidos ao nada. Que não se cansam de dizer, mesmo sob a máscara mais pessimista, que vale a pena se arriscar na cega aventura de viver. São poetas que conseguem transformar a prisão em liberdade, ou, melhor dizendo, conseguem tirar o nosso pretenso seguro chão num convite à vertigem da queda livre. Vamos lá, ser gauche, errar nesse mundão velho sem porteiras. Vamos lá, poeta, vamos lá.

Enquanto penso em Miguel, poeta capixaba que nos deixou no sábado, ouço Art Tatum, vertiginoso, desfilar seus ágeis dedos nas teclas do velho piano. Às vezes, parece querer percorrer todos os caminhos. Exauri-los. Não, não, não se trata de exaustão. Art é o poeta dos labirintos, aquele que constrói com incrível rapidez uma profusão de possibilidades, de caminhos para se explorar, no limitado espaço harmônico. O acorde é apenas um ponto de partida. Dali, o mundo da música se abre como um sol, mostrando cores e sombras sem fim.

Em Trio days, coincidentemente gravados em três dias de 1944, o mestre pianista se faz acompanhar por dois grandes músicos: Tiny Grimes (guitarra) e Slam Stewart (baixo). É impressionante a química que rola entre esses caras. A agilidade e facilidade demonstrada por Grimes ao construir seus solos justifica estar ao lado de Art. O que dizer de Slam? Ele é um baixista completo, que sabe usar o arco como poucos na seara jazzística. Destaque-se sua intensidade também solar: é um baixo vivo, resplandescente - como seus companheiros o são.

É até maldade deixar duas ou três músicas para vocês ouvirem, mas tem que ser assim. Está ali no pdcast Quintal do Jazz.

O link: Avax

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Spread a little joy

Dizem que o apocalipse (em 2012) chegará pela costa oeste dos EUA. Terremotos, maremotos, gafanhotos e sapos cururus despencando do céu enquanto golfinhos devorarão aqueles que se arriscarem no pier para ver de perto a galopante desgraça. Tenho um amigo que mora naqueles lados. Penso em passar uns dias em sua casa. Talvez, quem sabe, encarar uma tsunami que me leve até a costa leste.

Eis a cena egoísta dos meus sonhos: eu, na varanda, ouvindo um bom disco - pode ser Jack Montrose & Pete Jolly Quartet (que se completa com o baixista Chuck Berghofer e com o baterista Nick Martinis) atacando belamente A thing of beauty, enquanto beberico uma taça de um bom shiraz. Arriscaria até umas tapas num bom charuto cubano, daqueles que sabem às coxas de uma também bela seguidora de Fidel. Lá fora, lá embaixo, a turba insandecida tentando evitar a inevitável morte. A musa azul, quiçá, lá estaria, em meus braços, plácida, em contraponto ao caos que nos cerca. É assim que você me deixa: sinto-me tranqüilo. Curtimos mais um pouco de The sunset hour com o céu vermelho e os prédios alaranjados. É uma pena que isso acabe.

Ouçam ali no podcast Quintal do Jazz

Link: aqui no Avax

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Vocês conhecem Maini?

Os sidemen vivem à sombra dos grandes nomes do jazz. Isso, no entanto, está longe de significar que os sidemen, obscurecidos pela presença dos brilhantes astros, não tenham luz própria. Há pouco tempo, lá no jazzseen, em post sobre o baritonista Bob Gordon, foi citado o altoísta Joe Maini. Conhecem-no? Se não, não tem problema, você não está sozinho. O engraçado dessa estória é que provavelmente todos os apreciadores de jazz (que, como eu, esquecem de ler as notas) podem tê-lo ouvido vez ou outra sem se darem conta.


Maini é descrito por seus amigos como sendo um cara alegre, brincalhão, que valorizava e curtia a vida intensamente. Os problemas com drogas, contudo, fizeram parte de sua vida (há uma passagem em uma carta para Parker na qual Joe destaca "I felt good to get your warm letter while I was in the "hospital". Nep [Jimmy Knepper] and I got out Nov. 17th. I have become a solid citizen and good musician. No more raucous living for me. That 16 months changed me"). A sua morte suscitou especulações em torno de suicídio/roleta russa, o que é desmentido por amigos. Pat, o irmão de Joe, relata que a morte foi um acidente: "Ray (um conhecido) borrowed a pistol from someone for Daphne to protect herself. That's a laugh because it's a fact that most gunshot accidents, in the home, occur this way. Ray had no ammunition for the gun, so when Joe visited Ray they played around with the gun - snapping the trigger and fooling around with it. The next time Joe visited, Ray had obtained some bullets and the accident happened just as you described it. I received a call from Ray after the accident. I met him at the hospital within one half hour or so after accident and he told me what really had occurred".


Acidentes a parte, o fato é que Joe Maini era um excelente músico e tocou com os melhores de sua época e pode ser incluído entre os grandes. Amigo próximo de Knepper, Parker (com quem, além de se corresponder, pegava umas aulas), Perkins, Marsh, Manne (foi um dos "men" de Shelly), Sims, Red Mitchell, Kenny Drew, Montrose e mais um monte de gente boa.


O seu sopro, levando em conta o seu mestre Parker, não poderia deixar de ser carregado de bebop, de energia, de agilidade e muita criatividade. Vocês poderão conferir isso na caixa com quatro cds "The small group records". Nela, vocês encontrarão excelentes momentos com os músicos citados acima (exceto Parker).


Deixarei os temas Latter day saint (do disco New faces, de Knepper), Blooz e uma curiosa versão (não reconheci) de Sweet Georgia Brown (do disco Joe Maini quintet/sextet - com Kamuka, Feldman, Levy, Buddy Clark e Mel Lewis) e Blues & vanilla (com Jack Montrose quintet).

Link: here

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Lundgren - mais um europeu

Retornemos à seara européia. À Suécia, para ser mais exato. Foi lá que nasceu o pianista Jan Lundgren, atualmente com 46 anos. Ele começou a estudar piano clássico com cinco anos e, no início dos oitenta, cruzou com o tal do jazz. Daí em diante a sua vida mudou. O menino só queria saber de tocar jazz - e continua assim.

Seu primeiro disco, data de 1994. Depois disso, muitos vieram. O último é o que agora ouço: European standards, lançado neste ano. Lundgren lidera o trio que se completa com Mattias Svensson (baixo) e Zoltan Csörsz Jr (bateria). O disco, como está expresso no título, é um passeio por temas populares europeus (vocês encontrarão temas como Un homme et une femme e Here, there and everywhere). O som é agradável, com dicção moderna mas sem perder o balanço. Os rapazes que o acompanham mostram gentileza no trato com os seus instrumentos, mantendo o clima suave do pianista. O resultado nos remete aos tabalhos de Bill Evans. O cara é bom e merece ser ouvido.

Deixarei duas ali no podcast do Jazz Contemporâneo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O décimo primeiro mandamento


Creio que há um décimo primeiro mandamento que nos foi sonegado por Moisés. Ou foi o primeiro, não importa, que foi substituído posteriormente por alguma interdição. Sim, creio que o primeiro (ou décimo primeiro) mandamento foi "admirarás o belo". Assim mesmo, taxativo, imperativo, afirmativo. Sim, extasiado com suas visões, ele deve ter dito: "como é belo!"; mas o belo, logo percebeu o escriba, tem algo de herético, algo que nos desvia do caminho que tranqüilo seguíamos. Ele deve ter achado melhor algo como "amarás a deus sobre todas as coisas".


Assim são as pernas das musas: belas. Daquele tipo sem "junteiras", torneadas, coxas longas e batatas da perna "ao dente", apoiadas sobre tornozelo finos e pés de bailarina - como outrora revelou-me a musa. Aquelas pernas que dançam nas nossas cabeças e, com seus passos fátuos flutuam sobre as pedras do caminho. Ou deixam-nas macias sob seus pés, fazendo-nos esquecer - nós que observamos - que as pedras existem. Enciumadas as pedras, pelo olhar pagão dos reles mortais, arrancam nossas distraídas unhas para mostrar o legado terreno.



Um walkin bass aveludado, bem executado, bem pode nos aproximar do efeito dos passos de alguma musa em seus descompromissados passeios diários sobre o coração dos mortais. Uivamos para a lua, como uiva o sax de Eric Dolphy quando toca seus blues. Talvez não precise mais do que três segundos para o mortal cair no abismo, no turbilhão que o caminhar da musa provoca. Dolphy, aliás, tentou traçar alguns retratos sobre as musas e os efeitos por elas provocados: Miss Ann, Dianna e Serene são algumas delas. Alegres, vivazes, sedutoras, delicadas e... cuidem-se, amigos, pode haver pedras no caminho. Os uivos do Eric são prova disso

Quem quiser ouvir Eric, corra atrás da caixa com as gravações para a Prestige. São nove cds com sessões realizadas no período compreendido entre 1º de abril de 1960 e 8 de setembro de 1961.
Curtam uma seleção ali no pocast Quintal do Jazz
link: here

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Tudo é Jazz - A homenagem a Lady Day



A terceira garrafa de vinho foi aberta pelo amigos Sérgio e Luciana, jovem casal de BH. Um bom cabernet argentino, destaque-se. Falei-lhes da apreensão quanto ao show que se avizinhava. A banda não me preocupava, pois tinha uma formação excelente: Mulgrew Miller ao piano, Bucky Pizzarelli com sua indefectível guitarra de sete cordas, Ron Carter ao baixo, Antonio Sanches à bateria, e um naipe de responsa formado por Ingrid Jensen (trompete), Marcus Strickland (tenor) e Anat Cohen (clarineta/sax). O grilo ficou por conta da Madeleine Peiroux e da Mart'Nália.


Em edição anterior do festival, eu havia abandonado o show de Ms Peiroux antes da primeira metade. Mart'Nália, eu não conhecia. Sabia apenas que canta samba e que é filho de Martinho da Vila. Respirei fundo e concentrei minhas energias na banda. Abracei-me à musa Azul e clamei que os deuses da música fossem complacentes.



Show iniciado com Madeleine tentando fazer cover de Lady Day - razão pela qual se tornou conhecida (o fato é que, em discos, até que eu consigo ouvir alguma coisa do garoto). Ao meu lado uma jovenzinha estrebuchava aos gritos: "Madalena, ailoviú!!!!". Quando Mart'Nália entrou o frisson aumentou na galera. Como já diz a música por ela interpretada(?): God bless the child!!! Divertido mesmo foi ver Gilberto estupefato diante da gargalhante interpretação de Body and soul: "My heart is sad and lonely -rá-rá-rá-rá - for you I sigh rá-rá-rá" e por aí foi. Ali, Mart'Nália deu sua grande contribuição à memória de Lady Day. "Só rindo", diria o Cobrador, personagem de Rubem Fonseca, antes de mandar bala em suas vítimas.


Enfim, depois do papo furado, o show começou. A Lady Day All-Star Band tomou conta da cena. O velho Bucky sorria enquanto mandava os dedos nas sete cordas de sua guitarra, imprimindo aquele peculiar balanço da era do swing, e dialogando com os jovens sopros Marcus, Ingrid e Anat. Do car**** mesmo foi a versão de Love for sale mandada por uma segura e madura Ingrid Jensen e pelo fenomenal baterista Antonio Sanches. O diálogo entre sopro e baquetas foi primoroso. Anat, mais uma vez reluziu no palco (mandarei uma proposta de casamento amanhã cedo). Para mim, as duas meninas foram as vedetes do festival. Mulgrew Miller, senhoras e senhores, mostrou a face envolvente da velha escola: piano com balanço (aquele balanço que muitos jovens têm se esforçado para enterrar). A essa altura, uma quinta garrafa de vinho surgiu magicamente nas mãos da minha musa Azul. Felicidade bateu à minha porta. Depois desse momento auspicioso, o céu poderia cair.
PS: Não foi possível assistir aos shows do domingo. Compromissos inadiáveis me aguardavam na minha vitoriana ilha. Fica para o próximo ano.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Tudo é Jazz -19/09 (a)


Após os shows do primeiro dia, secas as garrafas de vinho, incorri em juvenil erro: enchi a cara de cerveja. Contagiado pela alegria da noite, acompanhado pelos bons amigos Ethel e Francis Juif (tataraneto de Espinosa) e por uma bela senhorita de tez azulada, possivelmente uma musa a serviço de Vênus, dediquei-me desmesuradamente ao suco de cevada. "Noves" fora, valeu a pena.

* * *


A chuva que caiu no final da tarde do dia 19 motivou-me a ficar mais um pouco na cama, ninando dona Ressaca. Breve cochilo foi interrompido pela venusiana, que sorria ao meu lado com uma garrafa de vinho na mão: "abre?" Irresistível solicitação. Miraculosamente de pé, partimos para a segunda noitada de jazz.



Para minha sorte, a chuva atrasou o início dos shows. Conseguimos chegar a tempo de curtir a excelente apresentação do grupo liderado pelo baixista mineiro Leonardo Cioglia. Ainda não conhecia o trabalho do camarada, mas a boa companhia com quem partilharia a cena era uma boa promessa. O quinteto se completou com Aaron Goldberg (pianista quase brasileiro, já participou de festivais anteriores), Mike Moreno (jovem guitarrista com fraseado bem articulado), John Ellis (tenorista que, agora sim, depois da apresentação restrita com Kate Schutt, pode mostrar que sabe comandar seu instrumento) e Antonio Sanches (baterista que tem dominado a cena contemporânea e, sem dúvida, é excelente instrumentista). Os temas apresentados fazem parte do novo trabalho de Cioglia, que, assim, se revela como um bom compositor, além de um bom instrumentista e arranjador. A promessa, enfim, foi cumprida: o show foi muito bom.



* * *



Quando Duduka da Fonseca subiu ao palco, abrimos a segunda garrafa: um bom malbec argentino. Eu esperava pela performance da clarinetista e saxofonista Anat Cohen, que dividiria os sopros com o inquestionável trompetista varginhense Cláudio Roditi. Ah, meus amigos, como a menina está tocando... Já é merecedora de uma sessão lá no jazzseen (elas tocam jazz). A música parece possuí-la. Incorporada, balançante, Anat (foto, ao meu lado) faz o público silenciar para ouvi-la. Agilidade, alegria, feeling e muito swing perpassam suas performances - do choro ao jazz. O que dizer do pianista Hélio Alves? Ele também passeia com desenvoltura pelas teclas do seu piano, sabendo ser percussivo ou suave quando o clima solicita. O cara é uma fera! Guilherme Monteiro, o guitarrista, comedido e de semblante austero, mostrou-se eficiente com sua guitarra. Duduka, como de praxe, mostrou porque é considerado um dos melhores da atualidade.


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Para mim, a viagem já estava paga. Já não me sentia tão ameaçado pelas presenças de Mart'Nália e Madeleine Peiroux, que apavoraram meu imaginário durante boa parte da viagem para Ouro Preto.

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PS - Infelizmente, como todas epifanias, não foi possível registrar em fotos a musa azul. Aliás, eu fotografei, mas as fotos desapareceram misteriosamente. Coisa dos deuses do Olimpo.