quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Brecker & McCoy

Meu querido Vinyl, esse post é um desagravo à imagem de um músico que eu muito admiro: o finado Michael Brecker. Você e Olmiro (um visitante) disseram que ele não possuia feeling jazzístico. Eu não diria que toda sua obra me agrada, mas daí a dizer que ele não tem feeling é um pouco demais. O que acontece é que sua linguagem é uma linguagem mais contemporânea, e afeta a sensibilidade dos puristas (não tome com agressão, por favor). O fato é que já não se faz mais jazz como antigamente. E isso não é ruim, nem bom. É apenas a vida girando a roda. Brecker, como muitos outros, herdou o legado de Coltrane e dos seus antecessores. É inegável que seu sopro traz bastante influência de Saint John. Influência amalgamada no seu percurso de estudo e experimentação, propiciando-lhe uma dicção própria. A sua técnica pode, por vezes, assustar o ouvinte: ele parece nunca errar. Mas não se trata de matemática fria e insensível. Prova disso está, por exemplo, em Infinity, disco do McCoy Tyner Trio (Avery Sharp - baixo, Aaron Scott - bateria + Brecker). O companheiro de Coltrane se deu muito bem com Brecker e vice-versa. Digo de passagem que McCoy não é dos meus pianistas prediletos, mas aqui, creio que pela presença de Brecker, ele se mostrou de corpo e alma. Curta comigo I mean you.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Crias do Miles


Chegou às minhas mãos um disco-homenagem que reúne Mike Stern (guitarra), George Coleman (sax tenor), Ron Carter (baixo) e Jimmy Cobb (bateria). O homenageado é o polêmico Miles Davis. Sabemos que o trompetista mais "invocado" do meio jazzístico sempre soube se cercar de músicos competentes, e os citados fazem parte da cena. Como está explícito no título do cd, são quatro gerações de "milistas" que contribuíram sobremaneira para a sonoridade de diversas fases do trompetista. Ouvi-los, no entanto, por mais que eles sejam excelentes músicos, deixou-me a impressão de que algo faltava. Não é difícil concluir que o que faltava era o próprio Miles. Por mais restrições que se faça à sua técnica, por mais que o considerem arrogante, ele sabia como ninguém fazer um grupo funcionar. Miles era o elo que dava a unidade aos seus grupos - era um band leader como poucos. Daqueles que fazem ressaltar a sua assinatura através do trabalho do grupo. Ganham os músicos, mais ainda Miles Davis. O disco, enfim, serve para mostrar que Miles ainda faz bastante falta. Ouçam There's no greater love e On Green Dolphin street.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Cantor ou pianista?

O papo, agora, é sobre um cantor. Um cantor bissexto, de pouquíssimas aparições no exercício dessa função, que preferiu manter-se com outro instrumento: o piano. Pois é, meus amigos, descolei o disco With respect to Nat, de Oscar Peterson (graças ao jazzófilo candango, que por aqui circula desde a fundação da cidade: meu amigo, irmão de fé e camarada Zeca "Depois" - nickname derivado de sua alma de ascendência baiana, que sempre o leva a retardar quaisquer programas). Devo também agradecer à navegante Sílvia, que atiçou a minha curiosidade ao solicitar uma postagem sobre o Oscar cantor. Notícias me chegaram informando que esse disco foi gravado logo após a morte de Nat King Cole, funcionando mais como uma homenagem a esse grande nome do jazz do que efetivamente uma tentativa de Peterson decolar a carreira de cantor. O disco conta com faixas orquestradas (com as participações de Phil Woods e J. J. Johnson) e outras levadas apenas pelo trio (Oscar, Brown e Ellis), que mais me agradaram. A homenagem a Nat fica explícita na forma adotada nos arranjos (o clima lembra bastante as suas gravações), mas Nat leva grande vantagem como cantor. Valeu a homenagem e valeu também por Peterson manter-se pianista, que é realmente o seu território. Ouçam Sweet Lorraine, Little Girl e Gee baby, ain't I good to you.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Jazz at the Philharmonic: 1944-1949

O Salsa, incentivador desse blog e saxofonista que anima as terças-feiras do Balacobaco, em Vitória, enviou-me umas poucas palavras, que agora publico:

Um dia desses, passeando pela rede, eu me deparei com uma oferta à qual eu não pude resistir: a caixa The complete jazz at the philarmonic on Verve 44-49, com dez cds, por US$ 128,00. Era a esperada oportunidade para completar a minha coleção. Não é por nada não, mas ouvir Les Paul, Nat King Cole, Lester Young, Parker, Illinois Jacquet, Flip Phillips, Ella, Krupa, Lady Day, Hawkins, Shavers, Peterson, Willie Smith e mais uma carrada de excelentes jazzistas me faz esquecer um monte de coisa asséptica que ouvi nos últimos dias; essa sim é o tipo de tarefa que eu aceito de bom grado. Norman Granz merece uma estátua por ter promovido essas fantásticas e estreladas jam sessions. A rapaziada é pura alegria. O problema é que, ao lado da alegria de poder apreciar esses momentos mágicos, rola uma certa melancolia: isso não existe mais, esse modo de tocar já se foi. Resta-me fechar os olhos para melhor absorver o astral que emana das gravações, e, quem sabe, poder tocar com um pouco do festivo legado.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Onde ouvir jazz em Brasília

Essa é para atender o pedido do nosso visitante de Brasília, sr. Luiz. Separei alguns endereços onde você poderá ouvir jazz na nossa metrópole:
Churchill Lounge Cigar Jazz Club: Térreo do Hotel Meliá Brasília – Setor Hoteleiro Sul. Jazz ao vivo e piano bar de segunda à sexta, a partir das 21h. O couvert é R$ 8 (de segunda à quarta) e R$ 13 (quinta e sexta)
Jazz Café: CLSW 301 – Bloco B – Loja 33O. Se propõe como espaço para a nova geração de jazzistas de Brasília. Funciona terça, quinta e sexta, a partir das 21h. R$ 5 couvert artístico

Terça Instrumental do Schlob – CLN 309O. Às terças, 21h. A cada semana um grupo diferente. R$ 5 de couvert

Jam no Bar do Calaf – Setor Bancário Sul. Não sei se está rolando, mas pretendiam providenciar umas jams quinzenais.Às 21h da quinta-feira. R$ 12 (até às 22h, R$ 7)
Jazz no Marietta Itália Caffe – Casa Park: Todas as quintas, a partir das 20h. Entrada Franca

Jazz no Cine Academia de Tênis: Clássicos do jazz na interpretação de Renato Vasconcelos e Trio. Todo domingo, às 18h. Entrada Franca

Jazz no Gate’s Pub – CLS 403O: tem que consultar programação. Entre R$ 10 e R$ 15

domingo, 20 de janeiro de 2008

Listas nunca mais!

Não é por nada não, mas esse negócio de lista é um saco. Propuz ao Salsa e ao Cd comentarmos alguns discos citados nas "listas do ano passado" mas já não estou agüentando mais. Tem umas coisas que cansam a minha já escassa beleza. Confiram os dez primeiros da Downbeat: 1º - Sound Grammar - Ornette Coleman; 2º - Saudades - Trio Beyond; 3º - Sonny, Please - Sonny Rollins; 4º - The Carnegie Hall Concert - Keith Jarrett; 5º - Metheny / Mehldau; 6º - Braggtown - Branford Marsalis; 7º - Beyond the Wall - Kenny Garrett; 8º - Lontano - Tomasz Stanko; 9º - Simpatico - Brian Lynch & Eddie Palmieri ; empatados em 10º - Meaning and Mystery - Dave Douglas, e New Monastery - Nels Cline. Entre os discos que eu ouvi, gostei do Sound Grammar e Saudades (Trio Beyond - com Scofield). Gostaria de ouvir (já encomendei) o disco Sonny, Please (Sonny Rollins). Conheço Braggtown, Lontano e Simpatico. Esse último faz a linha latin jazz, e, como eu não tinha run para preparar uma boa dose de cuba libre, o disco não me apeteceu. O trompetista Tomasz Stanko até que faz um sonzinho "ouvível", mas é aquele discurso meio introspectivo, meio new age, meio trilha sonora para baleias cruzarem. Quando estou envolto pelo meu espírito ecológico, até que eu encaro (em tempo: o pianista é muito bom). Branford começa seu disco com uma linha daquelas cíclicas (frase curta que se repete), deixando entrever a influência coltraneana, mas pára num lance meio minimalista que domina algumas faixas. Esqueci de citar Mehldau e Metheny - ouvi duas ou três vezes (no ano passado) e ficou nisso. Não é daqueles que me obrigam a retornar à fonte. Depois eu deixarei umas musiquinhas para vocês.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Mais um listado: Dave Douglas - Meaning and mystery

Que o jazz tem percorrido caminhos muito loucos não é novidade. Constato isso mais uma vez ao ouvir o "listado" disco do trompetista Dave Douglas, que Vinyl e Salsa fizeram-me ouvir para um possível comentário, que agora publico. A tarefa não é muito simples: ter que esquecer o coração e tentar ser razoável para não arremessar discos pela janela ou quebrá-los (como fazia o pernóstico Flávio Cavalcanti na tv tupi, antigamente). Não que esse seja o caso desse disco. Não é para tanto. Não é música pra gente sair assobiando por aí mas achei mais audível do que o disco do Brecker (é mais ousado, pelo menos). O jazz se faz mais presente. A influência de Stravinsky, influência confessa, também. Em alguns momentos prevalece uma estranha polirritimia criando uma insólita unidade sonora (algo free - momentos difíceis, para mim). O baixo segura uns patterns e a bateria despeja notas acentuando em momentos inesperados, o que ocasiona uma sensação de o chão da música ficar um tanto instável (Twombly infinites, por exemplo). Um coração com arritmia? Taquicardia, é isso. Eu fiquei apreensivo ouvindo Meaning and mystery, cd gravado em 2006 por Dave Douglas e seus comparsas (Uri Cane - Fender Rhodes, James Genus no baixo, Clarence Penn na bateria e Donny McCaslin no sax tenor). Há, no entanto, citações da tradição de New Orleans no tema Elk's Club, faixa mais ao meu gosto, e um walk bass em The team (o que mais lembra o velho jazz). Desculpo-me e deixo as duas para vocês ouvirem.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Pilgrimage - Michael Brecker

Pretendemos, a partir de hoje, fazer alguns comentários sobre outros "alguns" discos que constam das listagem dos supostos melhores do jazz do ano passado (Salsa escreveu sobre Kurt Elling no mpbjazz). Nas diversas listas sobre os destaques do jazz produzidos entre meados de 2006 e meados de 2007 consta o nome de Michael Brecker. O disco Pilgrimage, o último dele (mesmo!), conta com a participação das figurinhas carimbadas Metheny, Hancock, Meldhau, Dejohnette e Patitucci. Grande saxofonista? Sem dúvida. Conhece o instrumento de cabo-a-rabo? Sim, senhor. Influencia toda uma contemporânea geração? Influencia sim, senhor. Ele merece todas as homenagens? Merece, sim senhor. Hoje tem espetáculo? Aí, depende. Se você acha que o blues e o suíngue (esse último não entendido apenas como uma fórmula matemática que revê os intervalos da música, mas também como aquela alegria que dominava o meio de campo no passado jazzístico) são indispensáveis para o ouvido e o coração, é bom procurar outro disco. Se você gosta de ouvir a rapaziada passeando em seus instrumentos, exercitando duetos/convenções de métrica e execução complicadas esse é um prato cheio. Para mim, é o tal jazz cerebral. O coração do disco tem uma batida que não me afeta. Por obrigação: When can I kiss you again? E aí? Beija ou não beija?

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Lester & Oscar


Ainda comovido com a passagem de Oscar Peterson, busquei na estante um velho lp que me agrada muitíssimo. Já lhes direi de qual se trata: é aquele que ele gravou com Lester Young, chamado The president plays. Para quem não sabe, Pres é o apelido de Lester. Liguei a velha eletrola hi-fi e deixei o disco rolar (às vezes me dá saudade daquele leve crepitar que o acúmulo de poeira produz ao contato com a velha agulha de diamante). Aqueles que não tiverem eletrolas podem ficar tranqüilos, pois é possível encontrar o disco digitalizado e remasterizado (eu tenho). Essa sessão foi gravada em 1952, o que torna aquele ano memorável. O mundo do jazz estava em ebulição e o som comia solto em todos os botecos. Imagino-me lá, em meio ao fog produzido pela fumaça de tabaco, ouvindo o sopro contido e intenso de Lester Young. Parece ter a capacidade de acalmar todos que o escutam. Até Oscar está comedido nessa gravação, lançando pouco peso nas mãos para construir os acordes harmônicos, e dedilhando seus solos suavemente, mas sem perder a chama ardente do swing. O time que segura as ondas é composto por Herb Ellis, Ray Brown e J.C. Heard. Ouçam I can't get started

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Blakey & Monk

Blakey é mais do que festejado baterista. Um "artista" da bateria, como dizia o meu velho pai. Ele, antes de Miles, sabia como ninguém cercar-se de bons músicos. Quantos galgaram o estrelato via Jazz Messengers? Deixo essa estatística para os navegantes, eu quero mesmo é falar um pouco sobre o encontro de Art Blakey com Thelonious Monk. É um disco danado de interessante. As notas tensas dispensadas por Monk durante os solos dos colegas de gravação são um espetáculo à parte. Blakey, por sua vez, contaminado pelo maluco, às vezes joga umas pancadas em contraponto, quebrando tudo. O que dizer de Griffin e seu tenor? Show de bola. Bill Hardman, quem tem alguma coisa dele para me emprestar? O seu trompete merece mais do que uma audição. Lá atrás, segurando tudo, está o baixista Spanky Debrest. Maneiro o camarada. Deixarei dois blues, um de Monk e outro de Griffin: Blue Monk (a alteração feita na última frase do tema ficou sensacional) e Purple shades. Aí pode ir pro abraço.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Morgan II

Morgan merece mais um capítulo. A sua música reverbera no jazz e no coração dos jazzófilos. Se a sua vida, como de tantos outros, teve suas agruras, isso não sufocou sua criatividade. Antes, como tantos outros (de novo), foi a música, a sua arte, que suportou, que emoldurou e emoldura a sua vida. Como escreveu o comentarista do Allmusic, "Morgan boasted an effortless, virtuosic technique and a full, supple, muscular tone that was just as powerful in the high register. His playing was always emotionally charged, regardless of the specific mood: cocky and exuberant on up-tempo groovers, blistering on bop-oriented technical showcases, sweet and sensitive on ballads". Na sua precoce trajetória, ainda nos anos cinqüenta, nos legou uma série de gravações de sonoridade especial. Ainda pouco mais que um adolescente, com a passagem de Clifford, em 1958, Morgan se tornou a bola da vez. Ele apssou a representar o som do trompete. É desse período as faixas que deixarei para vossa apreciação. Retireia-as da caixa Complete Blue Note fifties sessions, que inclui os quatro discos gravados em 1957 (Lee Morgan v. 3, City lights, The cooker e Candy).



terça-feira, 1 de janeiro de 2008

A Helena de Lee Morgan

Nonato me enviou mais um contículo para a série. Curtam (com a trilha sonora):


Meu coração soluça quando o vejo, mais uma vez, desfalecido sobre a mesa de bilhar dessa espelunca. Oh, Lee, Lee, eu achei seu trompete. Vem comigo, vem... Assim, assim, apóie-se em mim. Vamos, vamos, eu arranjei uma gig para você. Será com Freddie, ele quer muito te ver e ouvir. A voz pastosa sussurrou ah, minha queridinha, eu só preciso dormir mais um pouco, minha Helen (...) Blakey me disse que a heroína há muito havia se tornado a vida de Lee. Por isso o mandou embora. Ele não conseguiria mais tocar. Mas Lee não está morto. Minha vida é sua, Lee, é sua. A minha vida é a sua... Malditas lembranças, malditos pensamentos em mim... Mas eu dei a vida a Lee, eu o fiz renascer... e como ele brilhou. Você sabe, todos sabem. Você já o ouviu tocando I remember Clifford? Ouça, ouça. (...) Eu não teria forças para fazer tudo de novo... Perdê-lo para uma vadia drogada ... perdê-lo para a heroína. Ah, meu herói, eu não poderia deixá-lo morrer sugado por vampiros. Mato-o eu.