segunda-feira, 31 de março de 2008

Gil Melle

Eu não entendi por que o comentarista do Allmusic disse que o disco Primitive modern/Quadrama (dois reunidos em um cd), do baritonista Gil Melle, é apenas para seus fãs. Os discos, que foram gravados entre 56 e 57, antes do baritonista partir para a área das trilhas sonoras e música eletrônica (depois virou artista plástico), não me pareceram tão "difíceis" de serem apreciados. Eu até que fiquei meio apreensivo com a primeira faixa de Primitive Modern (Dominica), mas o susto logo foi substituído por uma boa impressão. Os arranjos são bem articulados, valorizando sobretudo o diálogo entre a guitarra e o barítono. Baixo (Bill Phipps e George Duvivier, respectivamente) e bateria (Ed Thigpen e Shadow Wilson, também respectivamente) mantêm-se na condução, muito bem equilibrada diga-se de passagem, sustentando os fraseados de Gil e Joe Cinderella (o guitarrista). Deixarei para vocês um tema com nome de personagem de quadrinhos do Angeli: Walter Ego (de Quadrama) e Dedicatory Piece To The Geophysical Year Of 1957 (de Primitive modern).


sexta-feira, 28 de março de 2008

Vai um Herbie aí?

Hoje, eu deixarei o morticínio de lado. Não matarei ninguém neste post, embora alguém possa ficar "mortim" de vontade de ouvir os discos sobre os quais alinhavarei algumas poucas palavras. Os cds são de Herbie Mann, figurinha com a qual eu estabeleci contato auditivo lá pelos lados do final dos anos setenta/início dos oitenta. O lp que eu comprei, naquele momento, tinha um quê na sua elaboração que me soou estranho. Enfim, eu não curti muito o som. Depois disso, só nas páginas dos Reals books, onde encontrei alguns temas de sua autoria, como, por exemplo, Memphis underground. O fato é que o cara tem uma discografia quilométrica como líder (só em 1957 gravou uns dezesseis discos). Se acrescentarmos os discos nos quais ele foi apenas sideman a quilometragem aumenta ainda mais (eu possuo vários desses).

Recentemente, visitando a discoteca do Reinaldo, deparei-me com dois discos interessantes: Just wailin' e Great ideas of western Mann. Neste, gravado em 1957, Herbie inaugura, no cenário jazzístico, o clarinete baixo. À primeira audição, lembra um elefante enamorado (se compararmos com Dolphy, que três anos depois também utilizou tal instrumento, e soava como um elefante no cio). Por favor, não entendam a imagem como algo pejorativo, pois um elefante, ao contrário do que dizem, não incomoda ninguém. O som grave e aveludado é surpreendente e consegue cativar - depois de algumas audições. Não foi amor à primeira vista, mas, com o tempo, passei a achar que as frases rouquenhas de Herbie criam um contraste interessante com o trompete de Jack Sheldon, propiciando um clima especial para o piano gotejante de Rowles (gotas refrescantes, enfim). O grupo se completa com o baixista Buddy Clark e com o baterista Mel Lewis, que dispensa apresentações. Creio que vocês se divertirão com The theme, composição de Miles.

Just wailin', de 1958, me cativou com mais facilidade. Ali, Herbie está no seu território: a flauta. O clima bluesy que domina as faixas foram muito bem trabalhadas pelo nosso herói. O som grave ficou por conta do tenor de Charlie Rouse, de memoráveis gravações com Monk, e que também é daqueles que sabem tirar proveito do bom e velho blues (para mim, Rouse é o sideman por excelência - parece que o peso da liderança compromete suas performances). A presença de Burrell com sua guitarra confere um grau a mais no clima das sessões, que ainda contou com a participação do pianista Mal Waldron, do baixista George Joyner (?) e do baterista Art Taylor. Se compararmos com o disco anterior esse pode ser considerado mais "tradicional", mas o blues mexe comigo e afeta meu julgamento. Eu gosto de blues e ponto. Mas, deixando a paixão de lado, acho até que o Great ideas é mais arrojado, mais ousado, mais consistente, mas isso não implica a derrisão do Just wailin': em Blue echo, confiram, o pau come solto. Se vocês ficarem em dúvida, levem os dois para casa.

domingo, 23 de março de 2008

West Coast Blues!

A discoteca do amigo do Salsa tem me agradado bastante. Ouvi West Coast Blues!, um disco do Harold Land que eu ainda não conhecia. Foi gravado em 1960, após dois dos seus discos mais conhecidos - The fox e The land of jazz. Esse que comento tem um toque especial: Wes Montgomery (g), Joe Gordon (t), Barry Harris (p), Sam Jones (b) e Louis Hayes (d) participam das sessões e, mantendo a verve mais suave, contribuem para um clima menos agressivo do que os dois discos citados. Os arranjos, contudo, não suprimem a sonoridade viril - peculiaridade de Harold - que distingue esse disco dos demais que se reunem sob o nome West Coast. Aqui, se há uma intensão cool , ela está eivada por uma dose considerável de bop e hardbop que faz estremecer o coração. Confiram na parkeriana Klactoveedsedstene e em Compulsion.

sábado, 22 de março de 2008

May 25,1955: A grey day

The chase, sim, foi uma sessão e tanto. Foi naquela noite que eu conheci Wardell Gray. Ele e Dexter deixaram seus saxes incandescentes. Desde então eu assisti todas as apresentações que estavam ao meu alcance. De tanto me ver na platéia, ele me convidou para uns goles e acabamos amigos. Foi ele que me convenceu a encarar Las Vegas – faria um show com Benny Carter, ontem, 24 de maio de 1955.

Só ele para me fazer vir a esse templo do mau gosto. Detesto a mania provinciana de imitar nomes e locais famosos. O cassino onde Wardell tocou é um desses casos: chama-se Moulin Rouge. Espero que afunde junto com essa cidade escrota. Ele me disse que só aceitou o convite porque lhe disseram que os negros poderiam circular em outros ambientes que não o palco e o quarto onde dormiríamos.

Depois do show resolvemos dar uma circulada pela cidade. Já passava das duas horas. A madrugada, com aquele frio peculiar dos desertos, convidava para algumas doses de uísque e o que mais rolasse. Nossa pretensão esbarrou em dois tiras que, com as mãos pousadas em suas armas, mandou-nos retornar ao hotel, caso não quiséssemos passar a noite na cadeia ou coisa pior. Gray, que andava lendo Sartre e estava cheio de idéias existencialistas, não gostou da ameaça dos tiras e deu um jeito de dar o seu giro. Questão de honra. Eu amarelei e fiquei no cassino, gastando o pouco que me restava de grana.
(...)
A areia do deserto açoitava meus olhos como se não quisesse que eu visse o meu amigo pela última vez. Disseram que foram traficantes que quebraram o seu pescoço e o jogaram ali para ser devorado por formigas. Mais um músico de jazz viciado. Não o Wardell que eu conheci. Lembrei-me dos tiras, lembrei-me daquela catedral racista em que estávamos, lembrei-me da minha covardia. Talvez, se eu estivesse junto, não o matassem... Talvez eu estivesse morto também.


quinta-feira, 20 de março de 2008

Buddy DeFranco

Prosseguimos a devassa na discoteca do Sr. Reinaldo Santos Neves. Ouvi um disco gravado em 1999 por Buddy DeFranco: Do nothing till you hear from us! Buddy, aos 75, mostra todo o vigor e o suíngue que lhes são característicos. Unem-se ao clarinetista, o pianista Dave McKenna, de excelente mão esquerda, propiciando substituição eficaz do ausente baixo, e o guitarrista eletrificado Joe Cohn, dono de um fraseado que não deixa a peteca cair, tanto no up como no slow tempo. As primeiras duas faixas me seduziram de imediato. Finegan's walk, a primeira, é bem mais digerível do que o livro com que brinca: Finnegan's wake, do escritor irlandês James Joyce. Está mais próxima do clima da canção vaudevilleana de mesmo título lançada lá pelas bandas de 1850. É um agradável passeio, sem dúvida. A segunda, Skinnin' rabbits, faz-me supor que o coelho estava fugindo do trio que tentava escalpelá-lo. Reparem a precisão, nota a nota, da dobradinha clarineta/guitarra. Sensacional.

sábado, 15 de março de 2008

Bill Berry - mais um da discoteca do Reinaldo

Por estar com problema em seu computador, Salsa enviou-me o texto para que eu providenciasse a sua publicação. Tarefa cumprida:
Bill Berry, o cornet man, (a corneta é a prima baixinha do trompete, que anda meio sumida entre os jazzistas contemporâneos) é mais um que consta da discoteca de Reinaldo. Foi-me cedido dois exemplares: um, gravado em '78, e intitulado Shortcake, outro, de '76, com sua Big band, intitulado Hello Rev. Destaquemos que ele foi habituado às big bands (trabalhou com Herman, Ellington, Ferguson e Jones/Lewis). Não é de surpreender, pois, que se arvorace a líder de uma orquestra. A L.A. Big Band contava com, além de Berry, Cat Anderson, Gene Coe, Blue Mitchell, Jack Sheldon (trumpets), Jimmy Cleveland, Tricky Lofton, Benny Powell, Britt Woodman (trombones), Richie Kamuca, Don Menza (tenor saxes), Lanny Morgan, Marshall Royal (alto saxes), Jack Nimitz (baritone sax), Dave Frishberg (piano), Monty Budwig (bass), Frankie Capp (drums). Logo de cara, na faixa-título, o pessoal faz os instrumentos falarem. Esse pobre ouvinte caiu no meio de um papo em que os trombones de Cleveland e Trofton criam um fantástico clima de conversa entre dois amigos. Para mim, já paga a aquisição do disco. Sensacional.

O disco com small group, Shortcake, não fica muito atrás. São dois times, um quinteto e um septeto, liderados por Bill, que se revezam nas interpretações dos temas. O quinteto conta com Dave Frishberg - piano, Mundell Lowe - guitar, Monty Budwig - bass, e Frankie Capp - drums. O hepteto vem com Bill Watrous - trombone, Marshall Royal - alto sax e clarinet, Lew Tabackin - tenor sax e flauta, Alan Broadbent - piano, Chuck Berghofer - bass, e Nick Ceroli - drums. Diverti-me um bocado com a interpretação de Royal Garden Blues. A rapaziada manteve o clima tradicional do tema, com aquela alegria dixie. Bill Berry soube arregimentar uma equipe e tanto, que, frisemos, sob sua batuta, produziu momentos bastante interessantes.

Deleitem-se com Hello Rev e Royal Garden Blues.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Discoteca do rei: Benny Carter no Japão

Ri à-toa. Sim, senhor, isso é que é tarefa: ouvir Benny Carter, mais do que bem e ao vivo no Japão. Esse é mais um disco da discoteca do confrade do Salsa, o escritor Reinaldo Santos Neves. O disco "Live and well in Japan", de 1977, é uma tsunami de suíngue. Confesso que a data da gravação me deixou um pouco apreensivo, mas o time prometia e não decepcionou. A banda agraciou os japas com momentos deliciosos e, em determinado momento, até Louis Armstrong baixou no terreiro, digo, palco: o trompetista Joe Newman faz uma imitação e tanto do finado Satchmo. As jams são sensacionais e nos legou momentos pouco comuns, como Carter tocando trompete em When It's sleepy time down south. O cenário incluía Cat Anderson (trompete), Britt Woodman (trombone), Cecil Payne (flauta e barítono), Budd Johnson (soprano e tenor), Nat Pierce (piano), George Duvivier (baixo), Mundell Lowe (guitarra) e Harold Jones (bateria). Ouça It don't mean a thing.

terça-feira, 11 de março de 2008

Satch & Fatha

O relógio de parede marcava duas horas de uma madrugada qualquer do ano de 1947. A névoa produzida pela fumaça dos cigarros dava consistência aos cheiros dos restos de cerveja, uísque e perfumes das mulheres que ainda estavam no bar Doom’s day. Foi nesse momento que um riso rouco e espalhafatoso invadiu o salão. Earl Hines virou-se lentamente e viu Louis Armstrong com os braços abertos: “Manda um abraço, Fatha”, disse Satchmo ao seu velho companheiro de Hot Five. “Novos tempos, Earl”, prosseguiu, num dos raros momentos em que não sorriu plenamente. “As orquestras se foram com a guerra. Os jovens estão em outro mundo, com outro som. Já ouviu o bebop? É demais, Earl, mas não é para mim. A minha festa, a nossa festa, é outra”.


Earl levantou-se e foi até ao piano, iniciando um dos velhos temas do antigo grupo que reinou nos anos vinte. Satch enxuga os lábios e o suor da testa com um lenço branco. Calmamente empunha seu trompete e dissipa a névoa com o seu som brilhante. A madrugada gargalhou com Louie e Earl, que prometiam mais, muito mais.
Listen Weather bird and Don't jive me

domingo, 9 de março de 2008

Broadway segundo Al Cohn

O Salsa foi mais do que generoso ao me atribuir a função de comentar discos da discoteca do seu amigo escritor e jazzófilo Reinaldo Santos Neves. Bem mais generoso do que eu, que, em seu debut no jazzigo, o obriguei a resenhar Nils qualquer coisa. Cá estou, gratíssimo, ouvindo o tenorista Al Cohn. Não é à-toa que existe um saxofone com seu nome (se não for uma homenagem a Al, deveria ser). O disco é Broadway, gravado em 1954 com um time de poucas estrelas, mas com uma sonoridade luminosa (além de Cohn, o único por mim conhecido é o baixista Red Mitchell, que, como de hábito, segura as ondas com o bom e velho walkin'). Os outros membros do quinteto são o sax alto de Hal Stein, totalmente cool e pode levar os menos atentos a confundirem seu som com o tenor de Cohn, pois ele tende a usar o registro mais grave do seu instrumento; o piano de Harvey Leonard, econômico e preciso, cuos solos não deixam os mais exigentes a desejar; o baterista Christty Febbo conduz com maestria, evitando a pancadaria nos pratos e tambores. O disco é mais que agradável. Confiram Broadway e Suddenly it's spring.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Ella & Louis

Um dos grandes momentos proporcionados a nós, reles mortais, por Música, filha de Mnemosine, foi o encontro entre Ella e Louis. Sutileza, elegância e muito suíngue se reuniram para fazer a alegria dos apreciadores da boa música. Então, vocês podem embrulhar a caixa The complete Ella and Louis on Verve e levar para casa. Clássicos como Stompin' at Savoy, Learnin' the Blues, Can't we be friends e I'm puttin' all my eggs in one basket são pequena amostra do que vocês encontrarão na caixinha.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Jamal

Eu não sei se nesses nossos dias de renovada caça às bruxas alguém neófito no campo do jazz olharia com tranqüilidade para um músico com nome muçulmano. Talvez sim: a proibição fomenta a curiosidade. O fato é que, já há algumas décadas, muitos negros norte-americanos optaram por retomar algo que os ligassem de modo mais radical às suas origens. Atitude que nos obrigaria a mergulhar mais no universo cultural ianque para melhor apreensão. Como não pretendo escrever um tratado sociológico, e por desconhecimento do assunto, evitarei digressões sobre o tema. Ater-me-ei a um breve papo sobre Frederick Russell Jones, nascido em Pittsburgh, em 2 de julho de 1930, que adotou o nome Ahmad Jamal.
Pois bem, Ahmad, ainda moleque (19), já tocava em orquestras. Daí em diante consolidou-se como um dos grandes inovadores entre os pianistas de jazz. Digo isso sem titubeios. Observem com atenção o que acontece no disco Ahmad`s Blues, gravação de 1958, feita em apenas uma noite, em Washington, e vocês entenderão o que eu digo. O espaço cedido ao baixo, já não mais limitado ao walking mas explorando patterns pouco convencionais para a época, é uma pequena amostra da concepção de seus arranjos. O silêncio é explorado ao máximo em suas construções harmônicas nos permitindo divisar o vasto campo onde paulatinamente as frases serão depositadas (quando a gente ouve pela primeira vez, a espera por profusões de notas, a la Peterson, gera uma certa ansiedade). Frases com estruturas arrojadas, curtas e límpidas anunciam um limiar sonoro que muito me impressionou. Não à-toa seu modo de tocar incidiu diretamente sobre nomes como Miles e Coltrane, que beberam fartamente nessa fonte.