quarta-feira, 17 de junho de 2009

Epílogo: Bad Plus - The pop at the top

Sempre gostei da idéia de os músicos se apropriarem dos novos standards, dos sucessos pops, e darem uma repaginada com a linguagem jazzística. Hancock fez isso há alguns anos e eu comprei o disco ansioso por saber o resultado. Não gostei - achei os arranjos muito pesadões (acho que voltarei a ouvi-lo para ver se o tempo alterou minha percepção).


Atualmente, ouvi dois grupos que pegaram ícones do rock'n'roll e deram o tal trato jazzístico: o Air, que trabalhou temas do Deep Purple, e o The Crimson Jazz trio, que viajou nas águas do King Crimson. Esse último me soou bastante consistente e merece ser ouvido. Há mais tempo, Lester, do Jazzseen, apresentou-nos o Bad Plus - quase foi apedrejado pelos amigos do Clube das Terças (fraternidade jazzista da ilha de Vitória) - eu, inclusive, titubeei entre meu passado roqueiro e o jazz que atualmente me domina.


Hoje, três anos depois, cá estou, frente a frente com o grupo. E, sem titubear, posso afirmar que, entre os roqueiros que se apresentaram em Rio das Ostras, o The Bad Plus foi o melhor. Gostei do modo como eles construíram os arranjos dos temas interpretados: alterações da divisão (evidenciando a habilidade em jogar com aspectos ritmicos); alterações harmônicas; acentuações falsamente anárquicas que deslocam o "chão" da música e propiciam uma certa vertigem nos ouvintes. Tudo isso fez-me admirar o trabalho da moçada.

Quando a cantora convidada, Wendy Lewis, iniciou suas performances cantando a linha melódica tal como todos conhecem, a impressão que nos restou foi que de uma hora para outra ela iria se esborrachar na semitonação ou que iria entrar no momento errado. Mera ilusão proporcionada pelos arranjos do escorregadio band leader Ethan Iverson (piano - ele evitou o máximo possível contatos ou entrevistas). O trabalho de Reid Anderson (baixo) e de David King (bateria) deu uma consistência e tanto aos arranjos - eles eram responsáveis pelo insólito chão, que mais insólito parecia com as harmonizações de Ethan.
A mágica parceu-me ser a seguinte: ao deslocar os acentos, a banda cria vácuos onde deveria ser chão. O curioso é que esse "vácuo", esse "vazio" continua sendo "chão". E o cantor ou solista tem que acreditar nisso, tem que continuar andando (como naqueles desenhos animados em que o personagem só cai quando vê que não tem bada sob seus pés). E Wendy, uma fadinha punk, seguia seu caminho como se estivesse no jardim mais seguro da vizinhança. O resultado foi surpreendente, pois o balanço continuava ali, o rock'n'roll continuava ali sob a influência do jazz.

O grupo iniciou o show tocando alguns clássicos do jazz (Ornette Coleman entre eles), sempre usando o modus operandi citado. Quando Wendy foi anunciada, a banda atacou uma boa versão de Blue velvet, que serviu de "ponte" para os novos standards que estavam engatilhados: Nirvana, Pink Floyd, U2 e mais um monte de ícones pops desfilaram no palco. Desfilaram devidamente revisitados pela linguagem da rapaziada. Linguagem que traz em si os bons ensinamentos dos mestres do jazz.

The Bad Plus, ao meu ouvir, elevou o pop a um nível musical que raramente encontramos. O pop foi ao topo.

10 comentários:

edú disse...

Sonny Rollins fez a mesma experiência em 1957 no disco Way Out West.Pegou temas mais populares da música mais “rústica” popular americana e a deconstruiu na linguagem do jazz.No caso de Sonny virou cult.Em outros, se torna uma experiência meio rançosa.Mas o jazz sempre estará a serviço e disposição de bons músicos e temas.Nice job.

Érico Cordeiro disse...

PAREM AS PRENSAS! PAREM AS PRENSAS! PAREM AS PRENSAS!!!!!
Seu Edú, folgo em lê-lo às três da matina. Seu Salsa, Bad Plus é legal (conheço umas duas ou três músicas apenas, não me empolguei, mas estou criando coragem prá comprar um ou dois discos - qual deles você recomenda como uma introdução básica e elementar???).
EXTRAORDINÁRIO mesmo é o Michael Philip Mossman, mencionado em um comentário do Mestre Raffaelli e que o Sônico me mandou de presente. O endereço está lá no JAZZ + BOSSA e informo: o sujeito é um monstro. O disco se chama Mama Soho (não obtive ainda detalhes sobre a banda que o acompanha mas o pianista é do outro mundo).
Maravilhoso. Estou sedento atrás de mais coisas desse senhor trompetista (pobre cartão de crédito!!!).
Um abração!!!!

Salsa disse...

Prezado Érico,
Essas são impressões sobre o show. Ao vivo sempre é diferente. A discografia do Bad Plus é pequena e eles sempre atacaram na seara pop (com dicção jazzística). O único que eu possuo, Give, foi-me presenteado por Lester.
Creio que no último, For all I care, a relação pop/jazz esteja mais acentuada.

Gustavo Cunha disse...

falou e disse ! grande Salsa

o show do Bad Plus foi o "meu show" do festival, muito mais pela diferença e os surpreendentes arranjos para temas do mundo pop-rock

abs,

John Lester disse...

Quase tropecei lendo a excelente resenha. Os meninos são realmente bons e parece ter sido um privilégio conferir isso ao vivo. Inda mais di gratis. Um dia chego lá!

Grande abraço, JL.

edú disse...

Seria um presente de grego?Já ouvi essas mesmas alegações de Lester exatamente há 365 dias.Bad Plus já foi capa da Down Beat.Caminham na mesma seara de EST( comprei 3 cds e um dvd na minha passagem pela Europa para conhecer mais) e o Medenski, Martin and Wood q assisti ao vivo numa das edições do Free Jazz em meio a um ambiente inóspito .Pessoas em pé alteradas sob efeito do mal cheiroso hálito de cerveja quente e exauridos gritos de :"toca Raul".

Salsa disse...

rs

figbatera disse...

Desta área estou fora...

Rogério Coimbra disse...

Salsa:

Apenas quero louvar a sua excelente cobertura jornalística. Nota jazz para suas reportagens. Deve ser por isso que o STF não considera tão importante o diploma de jornalista. Parabéns.

Salsa disse...

Colé, Olney, sei que vocè é roqueiro de carteirinha.
Coimbra, meu velho, agradeço suas gentis palavras. Eu até tentei mudar de curso quando fazia direito, em 1980, mas não deixaram.Esse lance do diploma ainda vai dar pano pra manga.