“E pensar que Russ não queria que eu cantasse”, pensou, jocoso, Chet Baker, enquanto interpretava My funny valentine pela enésima vez em sua atribulada vida de artista – “sweet comic valentine... You make me smile with my heart...” Estava num boteco de Amsterdã, onde parou para pegar mais um carregamento de suas drogas favoritas. Enquanto esperava, tocou um pouco com o grupo de jovens e anônimos jazzistas. “Chet Baker, senhoras e senhores, Chet Baker”, anunciou o efusivo baixista. O trompete, nos lábios que resistiram às porradas da vida, ainda guardava uma boa dose da sua alma cool. “Nunca é a mesma coisa, como a minha heroína”. O fio de voz lembrava o fio de seda que sustentava sua coluna e guiava suas viagens.
Chet já devia ter mais ou menos uns duzentos anos de vida. Intensa vida comprimida num pequeno espaço físico/temporal, que já se demonstrava exaurido. Os alcalóides entranhados nas mitocôndrias já não eram apenas uma experiência – eles se tornaram a experiência. E a sua alma inquieta queria muito mais. O coquetel de tudo que tomou no caminho para seu hotel adiantou-lhe mais uns meses do tempo. Duzentos anos e alguns meses. Olhou para suas mãos, para os seus poros, para um poro – “Para onde isso vai?”, e imaginou-se pelo avesso. O som do motor do taxi soava como um mantra: “A Terra ruminando”, murmurou.
Chet já devia ter mais ou menos uns duzentos anos de vida. Intensa vida comprimida num pequeno espaço físico/temporal, que já se demonstrava exaurido. Os alcalóides entranhados nas mitocôndrias já não eram apenas uma experiência – eles se tornaram a experiência. E a sua alma inquieta queria muito mais. O coquetel de tudo que tomou no caminho para seu hotel adiantou-lhe mais uns meses do tempo. Duzentos anos e alguns meses. Olhou para suas mãos, para os seus poros, para um poro – “Para onde isso vai?”, e imaginou-se pelo avesso. O som do motor do taxi soava como um mantra: “A Terra ruminando”, murmurou.
Subiu para o seu quarto e tomou mais um pouco de tudo. O fio de seda o levantou da cama. Chet movia seus membros com leveza. Uma nuvem de seda sob seus pés. "Unphotographable...", balbuciou, enquanto caminhava para a janela, fascinado pela pequena estrela serelepe que insistia por uma fresta do céu encoberto de nuvens. O olhar, lá, distante, não percebeu que suas mãos não encontraram o peitoril. Seu velho corpo balançou como marionete antes que o fio de seda se rompesse. Chet caiu.
9 comentários:
O mais lírico, Salsa, Bacana!
Sergio Sônico
Parece que estáva-mos lá.
Legal Salsax
Esta última versão é a mais provável e aceita pelos seguidores de Chet. Mas, sr.Salsa, você já matou por 3 vezes o trumprtista/cantor do "cool jazz". Chega! Uma outra história interessante para contar é a da morte misteriosa do saxofonista Wardell Gray. Você poderá "matá-lo" tranquilamente umas cinco vezes.
Ora, ora, eis que o Predador resolveu honrar o jazzigo com sua presença...
Nobre visitante, observe o título. Lá está escrito última versão. Chet não é gato pra morrer mais vezes.
Salsa, vc matou Chet tantas vezes que os kardecistas estão reclamando.
Valeu, mas ainda prefiro a 1ª morte.
Mr.Salsa:
Chet Baker never dies.
Tive o prazer filho da pura de vê-lo dormindo com seu pistão na boca
durante um show no Festival de Jazz, no antigo Hotel Nacional, Rio. Testemunhas: Paulo da Embratel e Branca Santos Neves.
Chet lives.
RCoimbra
É, bom texto, bem escrito e tal, mas, parece que ...não sei o que é...ficou talvez demais? Mas como os outros, bem bolado e bem escrito!
Se preocupa não, Maria. Também cansei de matar o Chet. Aliás, cansei de matar seja lá quem for. Assim sendo, darei um tempo ao morticínio. Pretendo, na próxima postagem, abordar momentos menos dramáticos da vida dos jazzistas. Lembro que os textos são predominantemente e bastante acentuadamene ficcionais.
Até lá.
Então, tah. Sempre q posso, usufruo do direito d ñ ter q escolher...
Tds mt bons, Salsa!
Am... "My funny valentine" p/ mim eh c/ a Sarah Vaughan!!!!
Abração!!!
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