quinta-feira, 29 de maio de 2008

Rio das Ostras underground

Contaminado pelo clima musical, eu não podia parar. Interrompi a imitação de Eddie Murphy feita por Strickland e peguei o meu copo de uísque. O último gole de Jack desceu lento e subiu melhor.
O sol ainda distante e a noite ainda toda meia lua com algumas estrelas, apelava por mais música. Meu sangue inebriado, eterizado meu tino por tantas notas eletro-acústicas, busquei por mais um pouco disso. Soube de uma jam com músicos locais em um bar frente para o mar. Tarde cheguei. A lei dos homens silenciaram o festim.
O saxofone no porta-malas exigia providências. Rodei mais um pouco e encontrei um boteco. Notas toscas rompiam a multidão de jovens e nem tão jovens assim que se acotovelavam à porta. Achei, enfim. O nome: St Remy. O dono, Remy, é uma figuraça woodstockiana que encarou a guitarra e mandou Born to be wild, Sunshine of our love e outras tantas. Peguei Antenor, o meu sax, e caí na esbórnia.

Os meninos da banda liderada por Wagner José, mandaram um som meio retrô, com elementos da jovem guarda envolvidos por uma mescla de tudo que se fez na música pop desde então. O fato é que eu toquei rock'n'roll até o dia expulsar as criaturas da noite para seus respectivos berços.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Will Calhoun's Native Land Experience at Rio das Ostras


O último show da quinta-feira mexeria com o coração dos velhinhos apreciadores de jazz do Clube das Terças. Matá-los-ia, talvez. Foi fusion. E daqueles pedreira pura. Liderado pelo baterista roqueiro-de-mão-pesada Will Calhoun, o grupo Native Land Experience desenvolveu um som voluptuoso que chamou a atenção daqueles que, como eu, ainda não o conheciam.

O pessoal que é chegado no pop deve conhecer Will Calhoun por seus trabalhos com o Living Colour. Esse período rendeu-lhe louros e convites para tocar com deus e o mundo: B.B. King, Mick Jagger, Jaco Pastorious, Harry Belafonte, Pharoah Sanders, Jack Dejohnette, Marcus Miller, Dr.John, Carly Simon, Herb Alpert, Wayne Shorter (no "grammyado" disco High life).
A banda, bastante plugada, foi mais que eficiente em sua proposta de trabalho. Som pesado, mas com um lirismo que transparecia nas performances dos membros da banda. O pianista/tecladista (fico devendo o nome) encarou o rhodes e mostrou que as teclas são suas amigas. O saxofonista Marcus Strickland passeou com tenor e soprano, impondo uma linguagem algo coltraneana (da fase mais comedida) à performance do grupo. O jovem trompetista usou seus artefatos eletrônicos eficientemente, produzindo um efeito agradável aos ouvidos desse que vos tecla (como diz Acir, do contraovento). O resultado final me agradou, sim, senhor. Alguns colegas, no entanto, criticaram o excesso de batuque de Calhoun (longos solos com percussão), mas, naquele contexto, até que funcionou.

Após o show, comentamos sobre o uso de novas tecnologias na música, que tem crescido bastante - e que ele não dispensou em sua apresentação. Concluímos que, se a tecnologia não sufocar a música, tudo bem. Comentei com Calhoun sobre a minha percepção de sua performance. Mesmo sendo a sua levada bastante impregnada pelo rock'n'roll, identifiquei em sua batida alguma coisa de Art Blakey, que ele afirmou ser sua principal referência musical. Brinquei chamando-o de herdeiro Cyber de Art Blakey

terça-feira, 27 de maio de 2008

Regina Carter em Rio das Ostras


O primeiro violinista que eu ouvi interpretando música mais pop foi Jean-Luc Ponty. Isso aconteceu no final dos anos setenta. A minha praia ainda era o rock`n`roll e eu andava meio de luto por causa dos caminhos trilhados pelas bandas mais novas. Foi então que um colega recém chegado da Europa me apresentou uma bolacha com um som pesadíssimo e bem diferente do que eu estava habituado a ouvir. O luto chegava ao fim e outras portas se abriram para o agora ex-roqueiro (se é que isso é possível – ser ex-roqueiro).

Apesar de atualmente o violino não ser o instrumento que eu mais aprecio, não posso deixar de louvar alguns instrumentistas que o têm como meio de expressão. Um deles é a simpaticíssima Regina Carter (foto à esquerda, de Jorge Ronald). A sua presença em Rio das Ostras, na noite de quinta-feira, foi um dos melhores momentos do festival. Eu, duplamente embriagado, cedi à sua performance impecável. O seu percurso musical, iniciado aos quatro anos de idade, propiciou-lhe um amplo leque de influências/informações (do clássico, passando pelo r&b e chegando ao jazz) que foi usado de modo eficaz no palco principal da Lagoa Azul. Regina mostrou-se uma rainha no palco.

A banda que a acompanhava é formada por músicos daquele tipo que valoriza qualquer evento do qual participa. Destaco o clarinetista Darryl Harper, que dividiu os solos com Regina. Seu sopro comoveu a platéia, que ouvia atenta seu fraseado envolventemente melódico. Xavier Davis, ao piano, e Mathew Parrish, à bateria, completam o time que chegou, viu e venceu.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Russell Malone em Rio das Ostras

O festival de Rio das Ostras, para mim, começou na quinta-feira, 22/05. A longa viagem não venceu a expectativa de me encontrar com alguns ícones do jazz e do blues. Cheguei às 14:20h, mais excitado do que cansado. Não por menos: Wilson Garzon, do Clube de Jazz, conseguiu credencial que permitiria-me acesso ao backstage e, dependendo, assistir os shows do palco. Seria um ângulo inusitado para esse amante da música.

Por sorte, a pousada em que me hospedei fica próxima ao palco da Lagoa Iriry, onde o guitarrista Russell Malone se apresentaria, às 14:30h. O sol brilhante no céu límpido não impediu que o público se apinhasse no espaço mais que democrático da pequena arena incrustada no cenário paradisíaco. Todos confraternizavam movidos pela boa música (não aconteceu nenhum evento violento durante todo o evento).

Malone, que tornou-se mais conhecido do público por suas performances ao lado da pianista e cantora Diana Krall, empunhou a guitarra e destilou uma série de temas que agradou ao público presente. O autodidata guitarrista tem aquele modo peculiar de tocar que nos remete ao filão fundado por Wes Montgomery: notas límpidas, intercalando frases curtas, glissandos e alguns ataques mais performáticos recheados de notas.

A concessão (dispensável para alguns críticos mais ferrenhos) ficou por conta da interpretação de Unchained melody - o público aplaudiu, agradecido e emocionado. Gustavo, um dos colaboradores do blog CJUB, ficou intrigado pelos constantes e melosos apelos musicais que têm recheado os shows do guitar man - a tese maldosamente especulada por alguns colegas presentes foi intitulada "efeito Krall". O fato, inquestionável para mim, é que Mallone mostra técnica e feeling suficientes para freqüentar a constelação de bons jazzistas contemporâneos.

Merece mais que destaque a presença do jovem e competente pianista Martin Bejerano (foto), merecedor de atenção dos apreciadores do jazz por sua técnica apurada e por demostrar uma maturidade musical pouco comum (sabe usar o silêncio muito bem). O quarteto se completa com o comedido e eficiente baixista Tassill Bond e o não menos competente baterista Jonathan Blake (que acompanhou Aaron Goldberg, em Ouro Preto).

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Georgie Auld

Quem ouviu Robert De Niro tocar saxofone no filme New York, New York? Obviamente, ele não era o responsável pelo som. O ghost saxophonist foi Georgie Auld, que também participa do filme no papel de Frankie Harte. Auld é um versátil tenorista da velha guarda, que sabia como poucos navegar pelas alternantes sonoridades do mundo do jazz. Alguns críticos consideram-no um verdadeiro camaleão, pois adaptava-se com facilidade aos estilos que surgiram a partir dos anos 30.
Em 1959, reuniu o trompetista Don Fagerquist, o guitarrista Howard Roberts, o pianista Lou Levy, o vibrafonista Larry Bunker, o baixista Leroy Vinnegar e o baterista Mel Lewis para prestar uma homenagem a Benny Goodman, com quem tocou durante um bom tempo. O disco é puro swing. O seu sopro me pareceu um blended de Hawkins com Lester Young. Vocês poderão conferir ao ouvirem Soft wind e Flying home


sábado, 17 de maio de 2008

Ruby

O universo comercial é uma desgraça. Ele eleva, enaltece e destrói com implacável indiferença. Resistir à sua força é coisa para heróis. Alguns jazzistas, por suas posturas em defesa de suas expressões, fazem parte dessa estirpe. Ruby Braff é um deles. Cornetista singular, um mestre do swing, foi simplesmente mantido no limbo durante longo período por ser considerado, como diz Yanow, um músico "out-of-fashion". O século vinte tinha dessas coisas (e, hoje, ainda tem): creio que foi Otávio Paz quem definiu: o novo como tradição. Há uma exasperada busca por novas expressões, culminando com o descarte das inúmeras vozes que sustentam a história da sensibilidade artística desse nosso mundinho cão. O novo a qualquer preço é semelhante à noção de desenvolvimento a toda prova. A polarização estanca.

Ruby Braff se manteve na mainstream do jazz até o fim dos seus dias. Um bravo, pois. Querem prova? Ei-la: gravado em 2001, Watch what happens..., traz Braff, com 75 anos, acompanhado por outros dois veteranos - o pianista Dick Hyman e o baterista Jake Hanna -, e pelo guitarrista Howard Alden. O resultado é um som cujo vigor e fulgurante presença denotam a sua atemporalidade. É música para resistir a qualquer modismo. E vejam que o baixo não está em cena. Não é preciso ficar muito atento para perceber o que acontece quando esses caras começam a tocar. Yanow indica para amantes do jazz tradicional, eu indico para quem gosta de jazz, para quem gosta de ouvir e sentir a música viva.

sábado, 10 de maio de 2008

Raízes

Eu soube (Vinyl foi a fonte) que Salsa, o nosso colaborador e músico de plantão, tocava ou toca num grupo gospel. Lembrei-me disso quando estava ouvindo o Prestige All-Stars, reunião dos contratados da Prestige nos idos anos 50. O disco em questão é o Roots, que contou com Bill Evans e Tommy Flanagan (piano), Jimmy Cleverland e Frank Rehak (trb), Pepper Adams e Cecil Payne (brt), Louis Hayes e Elvin Jones (d), Doug Watkins (b) e Idrees Sulieman (tpt).

O título remete aos campos de algodão do sul dos EUA, ao lamento das worksongs, aos spirituals cantados nas igrejas freqüentadas pelos negros. Roots, a faixa título, une esses elementos ao clima pagão que impregnava os bordéis, onde os músicos exercitavam o seu momento de liberdade. Os temas seguintes, Down by the riverside e Sometimes I feel like a motherless child, conhecidos spirituals, também trazem essa formulação. O que os músicos participantes fazem é doar as suas sensibilidades para o "Homem". Cada um deles dá o que tem: a sua música, sem reticências. A interpretação, assim, consegue fazer Deus pisar nesse solo que muitos querem herético.

Se Salsa e seus amigos tocarem com essa perspectiva, acho que Deus ia perdoar alguns dos seus inúmeros pecados.


segunda-feira, 5 de maio de 2008

Frank Rosolino Quintet

Os anos cinqüenta realmente foram prodigiosos para o jazz. Creio que esse foi o período no qual mais se produziu (vale uma conferida). Uma das estrelas luminosas daquele momento foi o trombonista Frank Rosolino. Em 1957, ladeado por Richie Kamuca (tenor), Vince Guaraldi (piano), Monty Budwig (baixo) e Stan Levey (bateria), foi lançado o disco Frank Rosolino Quintet, no qual o trombonista deita e rola.

O disco é elegância a toda prova, marcada pelos arranjos bem equilibrados, pela sonoridade cool e pelo suíngue. Esses elementos são costurados e arrematados pelos fraseados de Rosolino e Kamuca. Aí, meus amigos, só ouvindo para conferir. Deixarei duas composições do band leader: Let's make it e Fine shape.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Mingus!

Já que o assunto é jazz, vamos a ele (antes que o Predador resolva nos atacar com todas suas extraterrenas forças). Saquei do alforje um disco que nem o irascível e.t. há de reclamar. O protagonista é ninguém menos do que o não menos irritadiço Charles Mingus. Gravado em 1960, Mingus! tem três faixas apoteóticas que abalarão as bases dos nossos visitantes - desta e de outras galáxias.

Vocês ouvirão MDM (Monk, Duke and Me), reunião de Main Stem (Duke), Straight, no chaser (Monk) e Fifty-first street blues (Mingus). A festa musical proporcionada pelos trombonistas Knepper e Woodman, pelos altoístas McPherson e Dolphy (este ainda encara a flauta e o clarone), pelos trompetistas Curson e Hillyer, pelo tenorista Booker Ervin, mais a cozinha (Bley e Richmond) é para pedir bis.

O disco ainda tem uma versão mais que boa de Stormy weather e, por fim, Hellview of Bellevue, tema dedicado à passagem de Mingus pelo famoso hospício. Essa última eu deixarei para Salsa, à sua vez e se capaz for, inspirar-se para escrever mais um de seus contículos. Vai encarar, capixaba?