domingo, 30 de novembro de 2008

Lee Konitz - Motion

João Luiz Mazzi, um dos patronos do Clube das Terças (reunião de amigos vitorianos apreciadores do jazz), fez chegar às minhas mãos e ouvidos um disco curioso do longevo Lee Konitz. Para quem não conhece, Konitz é um dos altoístas que mais gravaram (adorava fazer um duo). São quase sessenta anos pilotando seu sax alto. Calcule aí a discografia do camarada: dois discos em média por ano (sendo que dos anos oitenta para cá ele costuma gravar três ou quatro, às vezes mais) - é disco para encher estante. Eu, especificamente, gosto do período em que ele estava ao lado de Tristano, nos anos cinqüenta.

Pois bem, ouvi e ainda ouço Motion, gravado em dois mil e três, com uma formação para poucos: trio. Konitz está ladeado por Sonny Dallas, baixista de pulso firme garantindo um "chão" consistente (também tocou com Tristano e Mary Lou Williams) e pelo ícone da bateria moderna Elvin Jones. Quando digo que o trio sopro, baixo e bateria é uma formação para poucos deve-se ao nível de exigência que recai sobre os ombros da bateria e do baixo e também sobre o sax, instrumento melódico que não conta com os recursos harmônicos do piano ou da guitarra. Aí, já viu, né? O saxofonista tem que se desdobrar e destilar toda sua habilidade em construir frases sem se repetir excessivamente.

Motion é recheado com cinco standards (I remember you, All of me, Foolin' myself, You'd be so nice to come home to e I'll remember april). Apesar de baladeiro confesso, algo me incomodou enquanto ouvia o disco. Não, não se trata de um disco ruim, longe disso. Estaria mentindo se dissesse que não é um disco interessante - dou quatro estrelas. Achei apenas que Konitz, com seu timbre cool, foi obrigado a fazer mais esforço do que um Rollins ou um Redman, cujos tenores são mais agressivos (e que gravaram discos com a mesma formação), para conseguir dar consistência ao trabalho. E ele faz isso, mas não é Rollins nem Redman.

Depois de algumas audições eu consegui perceber outra coisa que me incomodou (e não incomoda mais): justamente o "chão" consistente de Sonny Dallas. Talvez em função da bateria ousada de Jones, o baixista se viu obrigado a manter-se excessivamente no chão, sem se arriscar em qualquer tipo de vôo mais alto - é um baixista clássico, de primeira, responsável, um Atlas. Achei que Sonny foi para o sacrifício, deixando o vôo para Konitz e para Jones. Ato heróico, mas que, para mim, faz o resultado final perder uma estrela. Como disse acima: leva quatro estrelas.

Deixarei All of me e Foolin' myself no podcast Quintal do jazz para o deleite dos amigos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Blue Mitchell - A sure thing


Esse post é dedicado aos campeões visitantes citados no outro post. Vai também para o intergalático Predador, que adivinhou a nossa intenção de escrever mais um pouco sobre a obra de Blue Mitchell.

A sure thing foi gravado em 1962 pelo time de craques da Riverside. A orquestra foi preparada para que Blue Mitchell mostrasse seu brilho. Destaque-se que ao seu lado estava Clark Terry, que funcionou apenas como um membro do naipe de sopros - os solos ficaram por conta de Mitchell (o resto do time vocês podem conferir na capa do cd).

Ouvi o disco quatro vezes enquanto escrevia os posts do dia. Devo admitir que Predador tem razão - A sure thing é mais consistente do que Big 6 (e isso não é um desmérito para este - que é muito bom). Os arranjos bem elaborados, as perfomances do grupo estão no plano da mestria e propiciam um plus no resultado final.

O sopro consistente mas sem estardalhaços de Mitchell está impecável. Ele não é daqueles que fazem incursões excessivas na região mais aguda do trompete. A região explorada por nosso herói faz o trompete soar próximo ao flueghel, preservando um certo "warm lirism", um clima aconchegante, mesmo naquelas peças mais up tempo.

Vocês poderão conferir isso em Hip to it (atentem também, nessa faixa, para o barítono de Pat Patrick) e em I can't get started.

Aos visitantes

Às vezes eu dou uma circulada pelo mapa dos visitantes (ao lado) para visualizar aqueles que mais prestigiam este sítio. No Rio, possivelmente o campeão é o Sérgio Sônico. Em BH, a reincidência deve ser por conta do chapa Wilson Garzon, mas tem outros contumazes navegadores espalhados pelo Brasil varonil. Descobri, vejam só, um visitante no interior do interior do Mato Grosso, no meio da floresta (quero crer que a foto do satélite não seja muito antiga), entre Guaraná do Norte e Peixoto Azevedo, à margem de um rio e próximo a um grande lago - será uma tribo jazzista ou será, de acordo com Salsa, o professor Benjamin, que desapareceu durante um safari na região? Vá lá saber...

Em Salvador, na Rua Carlos Gomes, quase esquina com a Faísca, tem outro bom visitante (nem só de Axé vive a Bahia). Em São Paulo, capital da América Latina, encontrei alguém na rua Paraíba. Em Porto Alegre, num bairro arborizado (Rio Branco, creio) na rua Vasco da Gama (também conhecida por Segundona) tem mais um jazzista costuma fazer suas incursões aqui no Quintal.

Empolgado, resolvi atravessar o Atlântico para conferir como está a freqüência daquelas bandas. Lá encontrei, entre outros, em Lisboa, no Largo das Olarias, num sítio chamado Socorro (entre Sta. Justa e Graça), próximo a uma área verde (um parque, possivelmente), um amigo transatlântico. Portugal, destaque-se, tem uma cena jazzista bastante expressiva (em breve postaremos alguma coisa sobre a produção dos lusos).

Apesar do pequeno número de visitas (em torno de setecentas mensais) - se comparado com outros blogs que têm esse número ou mais diariamente - não deixa de ser gratificante saber que o nosso trabalho (meu e do Salsa) ecoa no Brasil e pelo mundo a fora. Beleza!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Blue Mitchell - Big 6


Às vésperas do feriado de 4 de julho, em 1958, um time de jovens jazzistas adentrou um estúdio de gravação em Nova Iorque. O band leader era o novato trompetista Richard "Blue" Mitchell, que migrou da ensolarada Miami para a noturna capital do mundo.


O trompetista já tinha o reconhecimento dos seus pares da costa leste, mas ainda planejava tomar de assalto os apreciadores do bom e velho jazz. Para alcançar seu objetivo reuniu o esquete formado por Curtis Fuller, Johnny Griffin, Wynton Kelly, Wilbur Ware e Philly Joe Jones. Essa é a base para o lp Big six: seis grandes nomes revelados no final dos anos cinqüenta.


O lp começa com o tema Blues march, de Golson, cujo arranjo me deixou um pouco apreensivo. A pegada militaresca inicial (com rufar dos tambores e tudo) fez-me querer saltar a faixa, mas, em nome do jornalismo verdade, segurei as ondas. Foi bom. O tema porta uma certa dose de ironia ao desconstruir gradativamente o dialeto militar inserindo doses do meu, do seu, do nosso blues. Aí, meus amigos, a moçada mostra qual exército nós precisamos. Som de primeira.


A tarefa de Mitchell seria conseguir se destacar no meio da rapaziada que o cercava - O que mais o seguraria depois disso? Ouçam Griffin e o piano de Kelly em Brother Ball (Mitchell) e me digam se a responsabilidade não é daquele tipo que dá vertigem. Mas eis que chega o trompetista e manda ver um "quatro" com Philly Joe Jones e mostra que não está ali para brincadeira. Aliás, está sim: para a boa brincadeira que os grandes músicos nos legam em suas fantásticas sessões. Posso atestar que Mitchell não foge da raia e a brincadeira é das boas.

Deixarei, para vosso deleite, dois teminhas no podcast Quintal do Jazz.

domingo, 16 de novembro de 2008

Eli Degibri - um bom começo

E por falar em novos nomes do jazz, ouvi o saxofonista Eli Degibri. O cd In the beginning (2003) me surpreendeu com a boa mescla do contemporâneo com a tradição. A equipe, como diz Salsa, é da confraria NY-Tel Aviv: o guitarrista Kurt Rosenwinkel e o pianista Aaron Goldberg mais Jeff Ballard e Ben Street compõem o quinteto liderado por Eli.

Achei na rede um comentário do vizinho John Lester (jazzseen), muito bem escrito, que reproduzo sem a devida autorização:


"Esse saxofonista judeu não coloca mais seu estojo na calçada para recolher nossas moedas. Nem cobra aqueles juros extorsivos denunciados por Lima Barreto em seu clássico Bruzundanga. Eli é apenas um grande músico, ainda não muito conhecido por aqui, mas que já anda aprontando as suas na cidade que hoje mantém o jazz vivo: New York. Começou a estudar música aos 7 anos e aos 16 já tocava profissionalmente. Primeiro músico judeu a receber bolsa integral para Berklee (imaginem a felicidade dele!), foi também um dos poucos bolsistas integrais (apenas 6 em todo o mundo) no Thelonious Monk Institute. Além de competente arranjador e compositor, Degibri possui uma sensibilidade bastante inusitada, considerando que o mundo do jazz contemporâneo tem se dedicado bastante ao tecnicismo irascível e ao academicismo afetado. Para mim existem traços claros de John Coltrane e Sonny Rollins em sua sonoridade e discurso, combinados em doses adequadas e equilibradas: inventividade e potência, graça e força, todas simetricamente dosadas por sua voz própria e original. Após tocar com gente como Herbie Hancock, Al Foster, Ron Carter e o brasileiro Paulo Braga, Eli merece a boa acolhida que tem recebido no meio jazzístico, com apresentações e gravações como líder de seus próprios grupos e álbuns".

Deixarei as faixas Cherokee e Shoohoo no podcast do Jazz Contemporâneo.

Pé de página:

Um bom começo?

ou

Silêncio, por favor, a música merece ser ouvida!

Foi inaugurada, ontem, a casa de shows Spirito Jazz. Não fui convidado, periferia que sou. Um amigo foi e me disse que o espaço é muito bom. Disse-me a testemunha que o show não foi de jazz, mas Filó é um grande músico. O que atrapalhou foi a ala vip, os "entendidos de música" convidados: estavam se lixando para o show de Filó Machado. A falação dominou o ambiente - total descaso com o músico convidado para a inauguração. É aquela história: o mau hábito de só freqüentar boteco e achar que música é trilha sonora para conversa (como acontece em botecos de Vitória). O que não acontecerá quando o restaurante for inaugurado? É uma pena.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Shades of Redd

A demora (uma semana já se passou) para postar mais alguma boa nova é justificável. Eu aguardava outros discos com Tina Brooks. Recebi um de um amigo em arquivo hermético (M4A), o qual não consegui abrir. O outro, liderado pelo pianista Freddie Redd, está, para minha alegria, em pleno funcionamento.


O disco é Shades of Redd, gravado em 1960 pelo selo Blue Note. O que me atrai no disco não é o pianista Freddie Redd (um bom pianista, comedido, percussivo na justa medida e explorador de acordes em bloco), mas sim a dupla encarregada de pilotar os saxes: Tina Brooks (tenor) e Jackie McLean (alto). São dois sopros que sabem ser agressivos quando necessário e sabem guardar uma dose dessa agressividade mesmo quando tocam baladas. Garantia de voluptuosa expressividade. A dupla ainda se reúne, até onde eu sei, em pelo menos mais dois discos: Back to the track (capitaneado por Brooks) e Street singer (sob a batuta dos dois saxofonistas - esse é aquele que eu não consegui abrir o arquivo).


O Shades of Redd, meus caros, é um disco excelente. Nossos heróis saxofonistas sabem dizer com eloqüência o que a música dita aos seus corações. Tarefa facilitada pela cozinha - com Paul Chambers (sempre preciso) e Louis Hayes passeando pelas searas dos rítmos de modo mais que aprazível. O piano de Redd (até esse momento ele era, para mim, um desconhecido), reafirmo, é de muito bom nível. São sete faixas (mais duas alternates) que satisfarão o apetite de qualquer jazzófilo (até mesmo aqueles que não apreciam as incursões latinosas - uma faixa, Olé, traz essa marca, mas não é algo que comprometa o resultado final).


Deixarei, para vosso deleite, três faixas no podcast Quintal do Jazz.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Tina Brooks

Quatro discos foram o legado do tenorista band leader Tina Brooks aos mortais. Acho mais que suficiente. Costumo dizer aos meus amigos: se todos conseguissem fazer uma coisa boa durante a vida (um verso, um poema, um conto, uma crônica, uma música) o mundo seria outro. Tina fez quatro. Salvou, com seu gesto criador, um monte de almas da quinta dos infernos.


Estou plugado no True Blue. Brooks, nesse disco, se fez acompanhar por um ainda jovem Freddie Hubbard, por Duke Jordan, por Sam Jones e por Art Taylor. Destaquemos o tenor e trompete se entrelaçando com fraseados, quase abraços, muito bem harmonizados. Isso acontece em todas as faixas. Brooks e Hubbard mostram-se como dois excelentes intrumentistas. O que dizer da cozinha? Jordan manobra seu piano como poucos, Sam Jones mantém aquela pegada firme (seus patterns são muito bem elaborados e dão uma cor moderna ao trabalho), Art Taylor está elegante em todas as faixas.


Deixarei duas faixas para vosso deleite no podcast Quintal do Jazz. A primeira, Miss Hazel, um belo exemplo de hardbop. A segunda, Nothing Ever Changes My Love for You, ouve-se frases independentes que se cruzam em determinados momentos produzindo um efeito agradabilíssimo. Divirtam-se.

domingo, 2 de novembro de 2008

Chano Dominguez - O novo som flamenco

Voltei. Mais contemporâneo, mais plugado no que rola por aí. Fiz uma breve viagem à Espanha e, lá estando, fui em uma casa de show para descobrir o que se passa na cabeça e nos ouvidos dos espanhóis. Fui levado por Juan Mendoza, meu contato na península, para conhecer as versões mais recentes do flamenco. Depois de uma barrica de tempranillo, não tive forças para recusar.

Ao chegarmos à casa, lá estava o pianista Chano Dominguez (*Cadiz, 1960) cuja formação não poderia deixar de ter uma boa dose de flamenco. No seu "myspace", ele nos conta que começou com o violão (na orelhada) e, depois, quando já encarava os teclados, fez algumas incursões no cenário rock'n'roll. Sua alma experimental, no entanto, o levou ao jazz e, a partir daí, a coisa mudou. O espanhol rapidamente tornou-se conhecido no meio jazzy e desenvolveu trabalhos com fugurinhas como Paco de Lucía, Joe Lovano, Herbie Hancock, Jack DeJohnette e Wynton Marsalis com a Lincoln Center Jazz Orchestra.

A linguagem desenvolvida por Chano Dominguez não nega suas raízes hispânicas. O flamenco permeia todo seu trabalho, mas é inflado com diversos rítmos e com a indefectível pegada do jazz e pitadas do rok'n'roll. Isso vocês poderão conferir no excelente New flamenco sound. Ali, a passionalidade flamenca é disseminada em cada nota tocada, em cada harpejo, mas está ancorada na estrutura do jazz contemporâneo. É um trabalho que pode incomodar os puristas das duas vertentes, mas é inegável a sua qualidade. Confiram ali no podcast do jazz contemporâneo.

PS - No blog SérgioSônico vocês encontram o cd Hecho a mano.