Quando ouço o jazz contemporâneo - pelo menos em boa parcela dele - sinto um certo desconforto. Poderia associar esse sentimento à melancolia. De onde vem isso? Deixando de lado o apelo freudiano, eu responderia: de uma parte da Europa. Aquela Europa circunspecta, introspectiva, que se anunciava no romantismo suicida de um Werther e que se espraiou no decadentismo (literatura) do final do século xix e por aí prosseguiu, acentuando o olhar para abismos, para a desolação. Um apelo ao repouso - eufemismo para a morte.
Mesmo que não perguntem, eu direi. Estou ouvindo o, creio, mais recente disco (2009) do trompetista italiano Enrico Rava, editado pelo selo... adivinhem. Não adivinharam? ECM, obviamente. O nome: New York days. Acompanham-no Stefano Bollani (piano), Mark Turner (tenor), Larry Grenadier (double-bass) e Paul Motian (drums).
Definitivamente, não é minha praia. Não é um disco que permanecerá na vitrola até furar. Mais, dificilmente voltará a ser tocado integralmente. Mas, admito, sim, o som tem uma força, um apelo qualquer, que, em alguns momentos, me hipnotizou. Pintou telas em minha cabeça. Luz e sombra, aqui, são usadas aos moldes do lusco-fusco, do fim do dia - quando os limites se confundem. Um dia nublado. O lirismo do disco lançou-me em uma percepção do abandono e solidão (Lulu, Interiors - gostei dessa faixa - e Improvisation I e II, Count Dracula, Lady Orlando e Blancasnow), luta e desespero (em Outsider) - desespero acentuado pelos acordes pontuais (e outside) do piano de Stefano Bollani.
Há no disco uma certa beleza estrutural revelada na interpretação dos temas. É um disco bem cuidado, no qual os músicos parecem se deixar levar pela profundidade e pela imensidão. Balanço? Nem pensar. Aliás, para não dizer que nada há de balanço, tem dois pequenos oásis que conseguem tirar-nos do limbo da melancolia: Thank you, come again e a abolerada Luna urbana. Deixarei esses dois teminhas ali no podcast do Jazz Contemporâneo.
Sem link.
4 comentários:
Mestre Salsa,
Um excelente disco, embora de atmosfera bastante melancólica!
Não é uma audição para todas as horas, mas no momento certo ele cai como uma luva auditiva.
Há um conteúdo dramático nas interpretações - acho que o espírito italiano contribui.
Abração!
Não tenho dado muita trela para a melancolia, meu caro Érico. Como dizem por aí: a fonte secou.
É...sei como é esse sentimento de melancolia.
Também me sinto assim quando ouço certos cds de Jazz.
Mas a melancolia tem o seu proveito,pelo menos quando se tira dela belos momentos de inspiração.
E por falar nisso "Luna Urbana" é maravilhosa.
Muito inspiradora à um poema.
Um abraço
É, Ianê, a gente tem que dar a volta no parafuso.
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