Creio que há um décimo primeiro mandamento que nos foi sonegado por Moisés. Ou foi o primeiro, não importa, que foi substituído posteriormente por alguma interdição. Sim, creio que o primeiro (ou décimo primeiro) mandamento foi "admirarás o belo". Assim mesmo, taxativo, imperativo, afirmativo. Sim, extasiado com suas visões, ele deve ter dito: "como é belo!"; mas o belo, logo percebeu o escriba, tem algo de herético, algo que nos desvia do caminho que tranqüilo seguíamos. Ele deve ter achado melhor algo como "amarás a deus sobre todas as coisas".
Assim são as pernas das musas: belas. Daquele tipo sem "junteiras", torneadas, coxas longas e batatas da perna "ao dente", apoiadas sobre tornozelo finos e pés de bailarina - como outrora revelou-me a musa. Aquelas pernas que dançam nas nossas cabeças e, com seus passos fátuos flutuam sobre as pedras do caminho. Ou deixam-nas macias sob seus pés, fazendo-nos esquecer - nós que observamos - que as pedras existem. Enciumadas as pedras, pelo olhar pagão dos reles mortais, arrancam nossas distraídas unhas para mostrar o legado terreno.
Um walkin bass aveludado, bem executado, bem pode nos aproximar do efeito dos passos de alguma musa em seus descompromissados passeios diários sobre o coração dos mortais. Uivamos para a lua, como uiva o sax de Eric Dolphy quando toca seus blues. Talvez não precise mais do que três segundos para o mortal cair no abismo, no turbilhão que o caminhar da musa provoca. Dolphy, aliás, tentou traçar alguns retratos sobre as musas e os efeitos por elas provocados: Miss Ann, Dianna e Serene são algumas delas. Alegres, vivazes, sedutoras, delicadas e... cuidem-se, amigos, pode haver pedras no caminho. Os uivos do Eric são prova disso
Quem quiser ouvir Eric, corra atrás da caixa com as gravações para a Prestige. São nove cds com sessões realizadas no período compreendido entre 1º de abril de 1960 e 8 de setembro de 1961.
Curtam uma seleção ali no pocast Quintal do Jazz
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