sábado, 26 de abril de 2008

New way to die

A quarta-feira, dia em que dedico oito/nove horas à tarefa de ouvir música, momento prazeroso, foi bastante tensa na semana passada. A minha sempre tranqüila viagem para São mateus, onde ministro singelas aulas, fugiu à normalidade. Estava no ônibus, semi-adormecido, ouvindo o disco Heard it all before, de Jamie Cullum, jovem pianista e cantor inglês de sugestivo sobrenome latino, quando um baque interrompeu minha audição de sua interpretação de night and day. Pensei em um pneu, mas não foi. Atropelamos cavalo e cavaleiro. O primeiro finou-se ali mesmo, o segundo sobreviveu - muito machucado. Seria suficiente para um bom período. Mas não parou por aí.

À tarde, o retorno ao lar. Dessa vez embalado pelo guitarrista Martin Taylor, Solo (2002), senhor de uma técnica mais que convincente - daqueles que dispensam acompanhamento. Ouvia uma versão excelente de In a mellow tone quando, pela janela, vi um caminhão com a lateral esquerda bastante danificada, motorista ainda dentro. Pouco a frente, fumegante, uma dantesca escultura de metal contorcido. Alguém deveria estar lá dentro. Agora, metal, ossos e sangue se unem. Transformers. Entre ohs e repentinas conversões pensei sobre nossos caminhos. A tecnologia só nos fornece novos modos de morrer. Apesar de todos os esforços para domesticá-la, a morte se mantém patética. Mais, até.

Voltei-me para a música, dormi e não sonhei.



segunda-feira, 21 de abril de 2008

Kessel, Manne & Brown - The poll winners

Em 1957, Barney Kessel (guitarra), Ray Brown (baixo) e Shelly Manne (bateria) reuniram-se para formar o Poll Winners. O resultado, como esperado, foi excelente. Afinal, como o nome já diz, eles receberam prêmios por suas performances jazzistas. Em 1960, lançaram outro disco - Exploring the scene, também excelente. Ambos são pura elegância. Da união desses três músicos, parece-me, um saiu em vantagem: Kessel. A já cantada e decantada habilidade de Manne, unida à indiscutível competência de Ray Brown favorecem os passeios do guitarrista, que parece se sentir bastante tranqüilo para exercitar sua criatividade na construção de frases e mais frases com as cordas de sua guitarra. Independente dessa observação, o fato é que os dois discos são de uma consistência ímpar.

Podemos sentir, contudo, uma diferença de intensidade entre um e outro. O repertório escolhido para o primeiro disco reúne baladas como Mean to me, It could happen to you e You go to my head, que mesclam-se com temas mais jazzísticos com Jordu e Nagasaki. Há, portanto, uma prevalência das baladas, que induzem os rapazes a um clima mais ameno.

No segundo disco, as composições são basicamente de jazzistas. Lá encontramos temas escritos por Brown, Brubeck, Timmons, Davis, Lewis e até Ornette Coleman (The blessing), sendo apenas Misty a representante das baladonas. Esse aspecto favoreceu a maior ousadia dos nossos heróis (mas sem perder o clima cool).
Se vocês ainda não os possuem, podem correr atrás porque é material imprescindível para a discoteca.


sábado, 19 de abril de 2008

Manne ís free


No post sobre o trio Manne, Previn e Vinnegar, eu citei o disco The three and the two, também liderado pelo baterista Shelly Manne. Falaremos dele para apontar (interesse maior desse post) o lado experimentalista que invadia a seara jazzística nos anos cinqüenta, e como Manne não se furtou a essa experiência. Gravado em 1954, em dois dias, o cd reúne 12 faixas divididas eqüanimemente entre trio e duo.

O trio, de formação incomum, reunia Manne, Jimmy Giuffre (clarinete, sax tenor e sax barítono) e Shorty Rogers (trompete). As composições de Rogers (Three on a row), Giuffre (Pas de trois) e Manne (Flip) exploram os limites da música tonal, se deixam levar pelo espírito da invenção e constróem estruturas inusitadas para o período. Casas sem paredes, sustentadas pelas ousadas técnicas desses que se arriscam no habitat do imponderável. Ao interpretarem o standard Autumn in New York e a parkeriana Steeplechase, o trio vira a casa pelo avesso sem perder de vista suas peculiaridades. O último tema, Abstract nº 1 é pura invenção coletiva, free a toda prova. Observem como Manne, além de manter o ritmo, se posiciona como mais uma voz no "triálogo" musical.

No duo com Russ Freeman, o som pode soar menos ousado mas, de fato, entramos num ambiente de improvisação também impressionante. Na entrevista que consta do encarte, Manne diz que o modo como Freeman inverte os andamentos, o tempo da música, é algo que o instiga a se arriscar mais e mais na condução de sua bateria. Como ambos destacam - daí talvez o ar menos ousado - a melodia está sempre no horizonte, mas se abrindo em possibilidades para as brincadeiras dos dois excelentes músicos. Deixarei a última faixa: Speak easy.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Intuição feminina

Quando ouvi pela primeira vez, sem saber de quem se tratava, reparei no lirismo, nas pausas, nas notas, que surgiam como o piscar de vagalumes em noites escuras, e se apagavam suavemente. A força da música obedecia uma dinâmica bem equilibrada, que permitia às notas uma "coloração" especial. Bill Evans? Perguntei ao amigo, que respondeu negativamente. Perguntei se negro, e não era. Eu sempre acho que é negro, pois o jazz é negro.

Desisti, e meu amigo disse: Jessica Williams, dona de uma expressiva discografia (o seu primeiro disco é de 76). E eu não a conhecia - como muitos jazzófilos, creio, ainda não conhecem. O album que me foi apresentado é Intuition, título que bem expressa o seu teor. Intuição feminina, aquele lirismo todo. Um disco solo, delicado, sutil, reconfortante como o calor da mulher amada, mas que também sabe usar a sua sensualidade de modo mais agressivo. Gravado em 1995, percebe-se traços de sua formação erudita entremeados à boa dicção jazzista. Separei a força da monkiana Green chimneys e a leveza de Bill's beauty para vocês apreciarem.




sexta-feira, 11 de abril de 2008

Four!

Hampton Hawes toca muito. Toca ainda mais quando é o tal do blues, que jorra de suas veias em profusão. É sua alma, é seu corpo - o blues. Caso de amor antigo, admitido publicamente pelo grande pianista. Em 1958, ele se reuniu com Barney Kessel (g), Red Mitchell (b) e Shelly Manne (d) para gravar Four!, que, não poderia ser de outro modo, é um excelente disco. Muito desse resultado se deve ao fato de Hawes deixar seus comparsas tocarem à vontade. Diz-nos ele, no encarte do disco, que gosta de ouvir os colegas - uma fonte de inspiração e tanto. A cada frase dos amigos, Hawes cria outras tantas num jogo que só se encerra em função do espaço limitado dos antigos lps - a medida certa para nos deixar sonhando com mais um pouco daquela música fenomenal. Esse é um daqueles discos que merecem destaque na discoteca. Ouçam Yardbird suite e Up blues, depois digam-me o que acharam.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Manne, Previn & Vinnegar

Um amigo paulista, pianista bem-humorado, costuma brincar que, ao tocar com baterista, deixa o revólver ao lado do teclado, bem à vista, como um recado: se o tocador de tambor entrar numas de bombardear seu instrumento, leva bala. Esse é o tipo de recado desnecessário para Shelly Manne. Protagonista de primeiro time da história do jazz, Manne prima por um toque sutil e preciso, que pode ser constatado em suas gravações. Vocês perceberão - aqueles que não o conhecem - que ele é um bruxo com suas vassourinhas. Curiosamente, ele já gravou sem a presença de baixista e pianista (The three and the two - depois dedicaremos maior espaço para esse disco). O que agora escuto é Shelly Manne and his friends, vol. 1 - no caso, os amigos são o pianista André Previn e o baixista Leroy Vinnegar, gravado em 1956. Manne cede claramente o primeiro plano para Previn (ainda com 27 anos), que, demonstrando o peso de suas mãos, não tem pena do piano. O jovem pianista mostra sua força percursiva dedilhando seu teclado com precisão, criando frases arrojadas de extrema clareza e não temendo usar blocos de acordes. Sintam o clima de Collard greens and black-eyed peas e de Girl friend.

sábado, 5 de abril de 2008

Helen Humes sings

O sr. Sérgio, editor do blog sergiosonico (link ao lado), levantou a bola e só me restou emendar de primeira. A bola, no caso, é Helen Humes. Procurei e achei - o Salsa me emprestou o disco Songs I like to sing! Antes de falarmos sobre o disco, vejamos algumas informações sobre sua carreira:
Soube que a moça nasceu em 1913, em Louisville, Kentucky - terra do uísque de milho, e aprendeu música, como de praxe, numa escola dominical da igreja. Rapidamente, ela alçou vôo para outras plagas e, lá pelas bandas de 1938, foi convidada por Count Basie para ser a crooner de sua orquestra. Ali torna-se patente a sua competência na interpreção de baladas, blues e do bom e velho suíngue. Daí em diante, Helen seguiu uma trilha de sucessos. É possível ouvi-la também em algumas sessões do Jazz at the philharmonic. Dizem que entre 59 e 61 ele gravou três excelentes discos e fez uma séries de shows de primeira acompanhada por Red Norvo e outros super stars do jazz.

O disco que Salsa me emprestou é justamente desse período. Foi gravado em 1960, contando com a participação de figurinhas carimbadas como Ben Webster, Teddy Edwards, Art Pepper, Barney Kessell, Shelly Manne e mais um monte gente. O que dizer sobre? É um time que resolveria os problemas do Flamengo. Os arranjos são clássicos, valorizando o suíngue. A voz de Helen flutua entre os naipes (cordas e sopros) com uma segurança ímpar. Não há como não reconhecê-la como uma das musas do jazz. Beleza de indicação. Obrigado Sr. Sérgio. Ouçam St. Louis blues e Million dollar secret.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

1985 em Newport

Em Newport acontece, desde 1954, um dos mais prestigiosos festivais de jazz que se tem notícia (também conhecido como JVC). Este ano, como sempre, não deixará de acontecer (a programação já está na rede). Momentos memoráveis, epifânicos, aconteceram, acontecem e, espero, ainda acontecerão em seus palcos. Registrados, fazem a alegria dos apreciadores desse estilo. Felizes, pois, aqueles que lá conseguem estar. Duplamente felizes, já que presenciam o evento e têm-no em suas discotecas.

Em 1985 foi lançado uma dessas peças, que reúne no mesmo palco Ruby Braff, Clark Terry e Howard McGhee (trompetes), Scott hamilton, Budd Freman, Coleman Hawkins e Zoot Sims (tenores), Al Grey (trombone), Roy Haynes e Oliver Jackson (bateria), Wendell Marshall e Slam Stewart (baixo), Norris Turney (clarinete/sax alto), Warren Vaché (Corneta, Flugelhorn), George Wein e Joe Zawinul (piano) - os nomes em negrito formam a banda fixa, encarregada de receber os convidados all-stars. Deixarei um pouco desse sonho de consumo de todos os jazzófilos: Rosetta.