domingo, 30 de dezembro de 2007

Anita - a última do ano

As mulheres são fantásticas. Todas elas. Todas possuem uma magia que lhes é peculiar, e, quando querem usá-la, caímos como folhas no outono. Não se trata apenas de sexo. Nem de domínio sádico. Não, senhor. É de encantamento, feitiçaria mesmo. Sereias. Seres maravilhosos como Anita O'Day, que não me canso de ouvir. A sua voz é oceânica. Água tépida em que é fácil naufragar. Sim, senhor, é com ela que eu adentrarei o ano novo. O primeiro disco, já engatilhado, é Anita sings the most, no qual se faz acompanhar pelo quarteto do mais recente habitante do jazzigo: Oscar Peterson. O time traz Herb Ellis (Guitarra), Ray Brown (Baixo) e, revezando na bateria, Milt Holland e John Poole. A gravação é de 31 de janeiro de 1957 e está recheada com deliciosos standards. Às 23:00h, abrirei a última garrafa de vinho espanhol, abaixarei as luzes e ficarei nu com a minha música. E que venha o ano novo.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Chambers again

Estou de volta, Vinyl,

E, de cara, vou pegar uma carona no post do mpbjazz sobre as esculturas etruscas do Salsa. A trilha sonora, de Paul Chambers, é do disco 1st bassist. Esse disco, gravado em 1960, foi o último em que ele aparece como band leader (gravou apenas oito nessa condição). Quem ouviu a faixa Bass region (lá no mpbjazz) deve ter percebido a sonoridade vigorosa e envolvente que dali emana. O melhor de tudo é que o clima percorre todo o disco. As cinco composições de Lateef (a sexta faixa é de Adderley) receberam um tratamento primoroso e privilegiam a performance de Chambers. O baixo, não poderia ser de outra forma, se faz ouvir sem pudores. O toque preciso e forte de Chambers propicia uma singular aura aveludada em todos os temas. Envoltos nessa aura estão Yusef Lateef, que impõe um bom contraste com a flauta e com o sax tenor; o trompetista Tommy Turrentine (irmão mais velho e menos conhecido do Stanley), por sua vez, mostra-se senhor de um sopro que merece ser melhor explorado pelo navegante (só gravou um disco como band leader - já estou correndo atrás); Curtis Fuller não precisa de apresentações e, no disco, mantém sua verve de bom instrumentista; Winton Kelly não fica atrás - esse é estelar; o baterista, Lex Humphries, de toque leve, conduz muito bem seu instrumento. Deixarei a camerística Blessed (de Lateef, mas que, acredito, agradaria ao velho Mingus) e o excelente Who's blues (de Adderley).

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Oscar Peterson

Esforçamo-nos em dar sentido à vida. Cerveja gelada, vinhos, temperos, tudo devidamente ponderado, tudo na justa medida para, por alguns instantes, sentirmo-nos senhores da natureza. A música alicerça nosso esforço. Apoderamo-nos do canto das musas quando criamos instrumentos. Instrumentos que trazem em si, como a própria natureza, o desafio de dominá-los. Vai encarar? Parecem dizer. Encaramos. Alguns encararam, e, com eles, com os instrumentos, compuseram a trilha sonora para a nossa louca aventura nesse mundinho azul.
O piano, herdeiro da harpa de Orfeu, reina entre os modernos instrumentos. Reinado que é dividido entre alguns heróis que conseguiram estabelecer um tipo de profunda simbiose com suas teclas. Oscar Peterson é um deles. A sua respiração, a musculatura de seu coração, os tendões de suas mãos, seu corpo e sua alma parecem estar definitivamente unidas às cordas do piano. Ouvir piano, ouvir jazz, hoje, amanhã e depois do amanhã, sempre trará à lembrança a volúpia e alegria que marcam suas interpretações. Ouçamos Oscar Peterson, pois.


segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Fats plays

Conseguimos com o Salsa uma cópia do disco que contém a famigerada sessão com Fats, Bird e Bud. Em The street beat, Fats faz um longo solo que desafia os conceitos médicos. Os céticos continuam achando que o tema foi gravado em outra época.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Fats' last session

Vinyl, meu velho, eu também tenho um conhecido que tem o hábito de escrever. Trata-se de Gésus Nonato, brasiliense, mas nascido em algum recanto à margem do São Francisco (e marginalizado se mantém). É daquele tipo de escritor para quem escrever é a própria vida. Vive d'isso. Solteiro, 51 anos, mas com corpinho de 62, pode ser encontrado vendendo um ou outro poema no entorno brasiliense. O pouco que ganha, ele investe no rango e em discos. Escreveu um continho sobre a última sessão de Fats Navarro no Birdland (para a maioria dos entendidos essa sessão não existiu). Infelizmente eu não tenho o disco Bird & Fats Live at Birdland (é uma daquelas gravações feitas da platéia por fãs - a qualidade é sofrível), para usar a faixa The street beat como trilha sonora. Deixarei, então, a faixa The heaven's doors are wide open, do cd Complete Blue Note Sessions (Fats e Tadd).
A última jam
A primavera de 1950 se despedia e o verão se anunciava na brisa, que insistia através da janela semi-aberta trazendo sons de carros e buzinas – a batida das ruas. O trompete descansava no pequeno sofá do quarto de hotel. No banheiro, apoiado na pia, cabeça baixa, Fats fitava a água descer pelo ralo levando fios escuros do sangue que expelira com a tosse tuberculina. Os olhos baços liam naqueles traços o seu próximo destino. Arre! A saudade seria apenas da sua amada música. Ela lhe dera tudo, era tudo que tinha. O que mais poderia fazer, nessa terra, um filho da mistura de tudo que ela detestava – latino, negro e chinês? Ela foi a passagem sem volta da infernal Miami para a iluminada New York. Mais tosses. O fôlego escapa em pequenas gotas de sangue. O ar dói no peito ferido. Ah, minha musa, música linda, o que há de ser? Só mais uma sessão. Só. Ao lado do trompete, a seringa, já preparada (o que restou da última dose de heroína), se oferece às cansadas veias. Minha musa, só mais uma vez. O corpo, já a metade do que foi, se levanta. O palco do Birdland... No palco, Bud e Bird me aguardam. E a musa, minha música, comigo, como se fosse a última vez, só mais uma vez.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Feliz Natal!!!

Eis um bom pretexto para comemorar, beber umas & outras e, óbvio, ouvir jazz.














PS - Lá no jazzman tem um monte de discos com temas natalinos (interpretados por jazzistas) para animar a seia, digo, ceia.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Monk no céu

Assim, a queima-roupa, sem mais delongas, antes do esperado, eis que pinta mais um contículo, que, como o do Salsa, contraria algumas leis físicas: Como coube tanto em tão poucas linhas? A nota certa, digo, a palavra certa no lugar certo? Arte de grandes músicos, arte de grandes escritores. Desta vez, a mão que embala o texto é do literato e editor-chefe do blog ipsis litteris, Grijó (jazzófilo de primeira, escritor não menos). Sentimo-nos honrado com sua presença em letras. Não deixem de ouvir a trilha sonora: Ask me now (uma versão com Monk e outra com David Murray, que, de acordo com Salsa, é um saxofonista apreciado pelo nosso escritor).

"Monk no Céu"

Nem sei por que estamos todos aqui, nesse estranho labirinto em que música parece não existir, de fato, a não ser que esse silêncio, como diziam alguns, há tanto e há muito, possa ser chamado de música. Não é, claro. As sensações, aqui, misturam-se, essa é a verdade: degusta-se o que deveria ser visto; vê-se o que anteriormente era prazer tátil; ouve-se o que é edível e as trocas se perpetuam e parecem não confundir quem por aqui vive. Alguém me disse – ouvi tais palavras com as mãos – que sempre foi assim, e assim será mantido. Não, digo com minha própria voz, e aproximei-me do piano que jazzia triste, e que, como qualquer outro, tinha teclas para serem tocadas com os dedos, e dedos para tocarem almas. Não houve resistência. Sentei-me, vislumbrei o teclado como se fosse ele as vértebras de um animal antigo, esquecido. Pisei os pedais delicadamente – mal sabem eles o que eu podia (e ainda posso) fazer com os pés. E com as mãos? Ask me Now, penso, enquanto todos dizem sim. E assim fui, e assim fomos, pelo resto dos tempos, até que todos cheguem.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Newborn

Prezado CD,
Passei no nosso vizinho mpbjazz e li um texto do Salsa sobre o pianista Romano Mussolini, no qual constava um convite ao professor Grijó para escrever um conto tendo o camarada como personagem. Achei a idéia boa e fiz a mesma proposta ao Salsa. Não é que ele topou? Com algumas ressalvas, mas topou. Em primeiro lugar, disse-me ele, o óbvio: serão viagens sobre os temas - ficções pautadas em detalhes da vida dos personagens músicos. Segundo, não terá compromisso com periodicidade - quando rolar, rolou. Terceiro, os textos serão breves.

No dia seguinte ao convite, para minha surpresa, ele me enviou o seguinte contículo:

"Eu beberia uma ou duas doses se a minha mão abrisse. Mas meus dedos recusam seguir minhas ordens. Temem e tremem. Parecem obedecer algum outro comando. Alguma voz que eu não ouço, mas que atinge meus nervos, torcendo-os à dor. Eu beberia toda aquela garrafa (...) Nunca ficou claro se aquele piano riu para mim ou de mim. Por que me feriu? Eu vi seu sorriso se transformar em máscara ferina... Foi ele que mordeu meus dedos... Foi ele? Sim, foi ele... Eu vi seus dentes. Vi, sim. Pontiagudos. Irregulares. Cobertos de lodo. Senti seu hálito infernal e a dor em minha mão. Seus dentes. Suas teclas se abriram e eu caí. Foi escura a queda. E a canção, em mim, revolta, açoitando minha alma. Lembro-me: amarrado à cama num cubículo na ala B do Camarillo State Mental Hospital, corpo sedado, sonhei renascer... Newborn. Newborn, Phineas Newborn, digo para o sujeito ao meu lado, que a pouca luz do bar não me permitiu os traços. Mr. Shadow, pensei. Tenho seus discos, alguns. Te ouvi com Mingus. Com Haynes também. Gosto daquele que você foi acompanhado por Paul Chambers e Sam Jones no baixo, e Louis Hayes e Philly Joe Jones na bateria. Um mundo de piano! É um disco completo. Cheryl, a primeira faixa, é fenomenal. Lush life e Daahoud não ficam atrás... Minhas mãos voltam a doer. Uma canção não tocada... pode ser, pode ser"

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Idle moments - Green & Co

Meu caro amigo Dias, vulgo CD,
Sei que você tem um histórico amoroso com guitarras. Afinal, quando eu o conheci, na rodoviária de Brasília, você estava tocando violão. Trago, então, o disco Idle moments, de Grant Green (que, creio, já deve fazer parte do seu acervo). Para mim, esse é um dos melhores discos gravados por Green, se não o melhor. Foi gravado em 1963, com a elegante companhia de Joe Henderson (sax tenor), Duke Pearson (piano), Al Harewood (bateria), Bob Cranshaw (baixo) e Bobby Hutcherson (vibrafone).
O clima alterna momentos completamente relax (Idle moments e Django) com momentos do mais puro hard bop (Jean de Fleur e Nomad). A guitarra de Green, sempre pontual, aveludada, deixa as notas certas no momento certo. O piano de Pearson está exemplar. Todos estão em perfeita sintonia (até o sax de Henderson, costumeiramente ríspido, está com textura macia na faixa-título). Deixarei as faixas Idle moments e Nomad.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Mulligan e Hamilton

Em primeiro lugar, peço desculpas pela longa ausência. Como já lhe disse, caro Vinyl, o fim de ano está pesado. O bom é que, em uma das inúmeras viagens, achei um disco cuja classificação não pode ser menor do que "elegante". Achei numa lojinha de usados, em Goiânia, no meio de um monte de discos breganejos, o cd Gerry Mulligan Meets Scott Hamilton - Soft Lights & Sweet Music. Vinhas, meu chapa, não pude deixar de postar mais esse disco com a presença do tenorista Hamilton. A união do maior barítono de todos os tempos (é só minha opinião de amador) com esse tenorista que traz na alma a alma do suingue e do cool não poderia resultar em outra coisa: eu descansei quando ouvi. O encontro faz jus aos anteriores, realizados a partir dos anos 50 e protagonizados por Mulligan e seus comparsas do jazz Desmond, Webster, Hodges e Getz. O disco foi gravado em 86 e relançado em 2006, com a cozinha equipada com os instrumentistas Jay Leonhart (Bass), Mike Renzi (Piano) e Grady Tate (Drums). Deleite-se com a faixa-título e com Ghosts (um tipo de fantasma que eu gostaria que me assombrasse pro resto da vida).

domingo, 2 de dezembro de 2007

Jimmy Heath is hot

Logo no início de sua carreira, Jimmy Heath era comparado com Parker. Pois é, ele também tocava sax alto, só depois ele passou a tocar tenor. Fruto da comparação? Vá lá saber... De qualquer modo, ganhamos um bom tenorista. Durante os anos cinqüenta ele desapareceu da cena jazzística. Segundo o Allmusic, devido a problemas particulares. O que importa é que em 59 ele voltou com todo o gás e lançou seu primeiro disco como band leader: The thumper. Ao seu lado estavam Nat Adderley, Curtis Fuller, Wynton Kelly, Paul Chambers e seu irmão Albert "Tootie" Heath (ele tem outro irmão é Percy). Família musical, essa. Enquanto eu ouvia esse disco, lembrei-me de outro, mais recente (um dos últimos): You've changed, gravado em quarteto (em 1994). Além dele, o grupo é formado pelo bom guitarrista Tony Perrone, Ben Browm e Tootie Heath. É sempre curioso observar se o tempo afeta a performance dos músicos. Assim sendo, deixarei faixas dos dois discos para a apreciação dos visitantes: Who needs it? e Don't You know I care (do LP The thumper) e You've changed e Basic Birks.